Crítica | A Química que Há Entre Nós – Romântico em sua essência com uma das melhores performances do ano

O romance contemporâneo encontrou duas vertentes promissoras no cinema. As comédias românticas escapistas da Netflix e um núcleo mais sofisticado, cujo amor é explorado em sua essência mais pura: o pessimismo romântico. De ‘Romeu e Julieta’ até ‘A Culpa É das Estrelas’, a forma como algumas tramas utilizam o sentimentalismo como forma de conquista do público, se torna um verdadeiro exercício de imersão. Todos nós vivenciamos o amor em algum momento de nossas vidas e, partindo desse princípio, os realizadores entrelaçam o sentimento mais puro do ser humano, com a dor da perda, para desenvolver tragédias românticas que definitivamente permanecem com a gente por muito tempo, como acontece com o melancólico ‘A Química que Há Entre Nós’ (Chemical Hearts), original do Amazon Prime Video e que expressa tão perfeitamente bem essa construção de relações através do luto, da saudade e da solidão.

A trama e o elenco

É preciso saber o modelo convencional para que ele possa ser desconstruído. E isso, sem dúvida, o diretor Richard Tanne (Southside With You) sabe. A premissa, adaptada do livro best-seller A Química que há Entre Nós’, da autora Krystal Sutherland, é simples e não foge de ser feita através de clichês do gênero, mas, diferente de quase tudo que vemos atualmente, aqui esses elementos são utilizados para criar conexão com o público e logo são desconstruídos de uma forma absurdamente criativa e orgânica, diluídos por entre a trama sem que a história enfraqueça ou mesmo perca seu potencial dramático. Ainda que o foco seja mostrar como dois adolescentes se apaixonam gradativamente por um período e como essa relação servirá de remendo para suas dores da alma, o drama curiosamente rouba espaço e a relação do casal, além de profundamente doce e honesta, começa a ser encantadora. A construção das camadas dos personagens é tão boa e delicada, que penetra o espectador como uma rajada de flechas em nosso ponto mais fraco: a empatia.

Mesmo que os personagens tenham profundidade e carisma de sobra, o elenco está perfeitamente em conexão. Lili Reinhart (Riverdale) entrega uma emoção tão grande, tão honesta e dolorosa, que comove logo nos primeiros minutos. Sua personagem é a personificação do luto e é uma delícia ver a atriz caminhar por todas as nuances de forma prazerosa, de longe, uma das melhores performances do ano. Já Austin Abrams (Euphoria), tem um ar triste, com seu olhar doce e uma química impecável com Reinhart, parecido com a raridade de obras como ‘500 Dias Com Ela’, ‘O Maravilhoso Agora’ e o tom fúnebre do cinema de Gus Van Sant, especialmente em ‘Inquietos’. A dupla entrega um casal equilibrado, com falhas e defeitos, com diálogos reflexivos e que se próxima da realidade, longe do pedestal de “amor perfeito” que tantos outros filmes adolescentes cismam em fazer.

O luto e metáforas

Ao utilizar a técnica japonesa de remendar porcelanas quebradas com ouro, algo que ressignifica a peça, o roteiro faz uma deliciosa metáfora sobre relacionamentos líquidos, sobre consertar ao invés de jogar fora, sobre como as pessoas que passam em nossas vidas deixam pedaços enormes delas em nós e como o luto precisa de tempo para ser curado. A jornada do casal é cercada de ensinamentos e reflexões pontuais que o gênero parece ter medo de abordar, inclusive, o desfecho agridoce.

O amadurecimento amoroso ainda é um assunto pouco abordado nos cinemas e, apesar de realista e triste, abre um diálogo muito interessante com o público, já que desconstrói a idealização do amor eterno e explora as idas e vindas das pessoas em nossas vidas, como de fato é. Outra parte rica da trama é a forma certeira de como o roteiro trás algo tão abstrato, como o amor, para um contexto palpável, ao comparar a dor, a saudade e a paixão com as reações da mente e a sensação do corpo humano ao sentir tais sentimentos, ou seja, o amor é puramente uma reação química e, como tal, alivia com o passar do tempo até que, em determinado momento, deixa de existir.

Fotografia e trilha sonora

A direção de fotografia desenvolve um ambiente melancólico, com tons esverdeados que passam calmaria e tristeza, enquanto a trilha sonora, com baladas, envolve o espectador nesse universo sensorial por uma hora e meia. Uma imersão deliciosa. A direção explora alguns planos diferentes e a montagem também tem liberdade de testar sensações, como duplicar e repetir o mesmo plano, assim que o casal dá o primeiro beijo. O ritmo, por sua vez, é ótimo e constrói narrativa em seu tempo, sem provocar tédio ou sem se apressar demais, ainda que o 3º ato seja mais corrido que os demais.

Conclusão

Com isso, ‘A Química que Há Entre Nós’ tem um ar melancólico e tom triste que emociona, ao lado de um roteiro brilhante e personagens que são puro carisma. Uma surpresa profundamente agradável entre os romances teen atuais, exatamente por não temer mostrar os efeitos colaterais do amor e por ter a maturidade de explorar a adolescência com um olhar honesto e realista, raramente visto no cinema. Lili Reinhart tem uma das melhores performances do ano. Não tem nada melhor do que ver um filme contemporâneo que tem muito mais a dizer da juventude do que apenas acumular garotos ou montar barracas na escola. Já estava na hora.  

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