Crítica | ‘Crimes de Família’ é monótono, chato e desinteressante

Quando um filme consegue, ainda que minimamente, gerar um debate interno em nossa consciência, é sinal de que o roteiro cumpriu parte de seu papel. E uma parte importante que, além do entretenimento, ajuda com que o intuito de sua trama não passe despercebida e o filme continue com a gente por algum tempo, seja de forma positiva ou não. Isso acontece com o drama argentino ‘Crimes de Família’ (Crímenes de Família), original Netflix e que tem se destacado no catálogo essa semana. O drama familiar que desenvolve, ainda que lento, consegue ser intrigante e tem um constante crescimento de intensidade, que envolve o espectador, principalmente por atiçar nossa curiosidade sobre como a trama foi do ponto A para  o ponto B tão rapidamente, ou seja, como aquela aparente “família perfeita” desmorona do dia para noite após uma série de crimes vir à tona. Mas tem uma grave problemática que ofusca todo o resto: o roteiro dá protagonismo à personagem errada e nos obriga a entender suas motivações como forma de justificativa. Para piorar, tenta fazer uma redenção forçada, mas, no fim, nada se justifica.

A trama e o elenco

Na premissa temos uma família de classe média argentina, que trata uma jovem empregada doméstica “como da família”, mas que a obriga dormir nos fundos da casa, usar uniforme e se manter fora de vista dos convidados. Se você conheceQue Horas Ela Volta?, certamente está ciente dessa crítica social que o filme nacional desenvolve tão bem. Dentro dessa proposta, o longa argentino vai contra o ideal e abafa a voz da empregada, vivida pela atriz Yanina Ávila, e dá espaço para sua patroa, vivida pela excelente Cecilia Roth (Dor e Glória). Essa mudança de ponto de vista é confusa, já que o intuito de fazer uma crítica social existe, sobre como lares ditos como “perfeitos” podem também esconder sérios problemas e como os ricos, de um modo geral, sempre estão em vantagem na sociedade. Mas, ao invés de nos colocar no mundo limitado da empregada e mostrar como se tornou uma vítima da desigualdade em que vive, o roteiro utiliza suas desvantagens para justificar seus atos falhos e transforma, de forma rápida e sem desenvolvimento, a patroa em uma espécie de salvadora, tirando-a de seu pedestal e a humanizando com clichês.

Ainda que sua narrativa não seja linear, há um ponto de virada na trama, que explica como a grande tragédia ocorreu e, desse ponto em diante, fica realmente complicado não sentir repulsa pela patroa e como o roteiro forçadamente desenvolve seu lado mais amoroso e gentil, sendo que em pouco tempo a personagem estava até mesmo sendo racista. O trabalho de Roth é bom e ela consegue passar por essas nuances de personalidade. O problema mesmo está é nessa construção de narrativa em  que a “vilã” se redime e assume o posto de mocinha bondosa. Inclusive, até mesmo sua postura, roupas e penteado mudam após essa alteração de tom. Na outra ponta, o desenvolvimento da empregada é quase nulo. Seu analfabetismo e timidez são usados como se ela não pudesse ter personalidade ou afeto. E pior, o crime que cometeu é apenas um reflexo do tratamento que recebeu na casa que criou seu filho. Ainda assim, conforma  história avança, menos espaço ela possui em sua própria narrativa.

Ritmo

Como a construção da história vai e volta no tempo para mostrar o que, de fato, aconteceu com aquela família, alguns elementos funcionam e outros não, especialmente por conta do ritmo. O diretor Sebastián Schindel opta por fazer um melodrama novelesco, entrecortado por um suspense criminal que gasta tempo demais em cenas do julgamento e longos planos sobre depoimentos que sim, são importantes para entendermos os caminhos da trama, mas que são feitos com puro tédio. Os diálogos são cansativos e dão voltas e mais voltas, sem levar à lugar algum. Até mesmo a forma não-linear como a trama se constrói é inicialmente confusa, difícil de manter uma ligação com o espectador por demorar tempo demais para ter alguma entrega significativa. O desfecho, com a tal redenção forçada da patroa, é difícil de engolir em tantos níveis, que deixa um gosto amargo de tempo desperdiçado em prol de uma história que não sabe qual rumo quer tomar.

Conclusão

É difícil se conectar com a falta de sensibilidade da trama de ‘Crimes de Família’, que cala a voz da vítima por achar mais interessante construir uma falsa redenção para a antagonista. Apesar de flertar levemente com críticas sociais importantes, o longa não escapa de ser monótono, chato e desinteressante boa parte de seu tempo. Se o seu intuito era desenvolver uma reflexão sobre a desigualdade social, é possível ver que a mensagem está lá, escondida entre os longos diálogos tediosos, mas abafada pela ausência de tato e empatia de um roteiro que não sabe exatamente de que lado está.  

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