Crítica | ‘Música Para Morrer de Amor’ é um dos filmes nacionais atuais mais sensíveis e ricos

O amor é a base de intermináveis obras audiovisuais, teatrais, literárias e por aí vai. O sentimento mais genuíno do ser humano é destrinchado, dissecado e estudado minuciosamente em prol do melodrama. Como então fazer um filme sobre ele e ainda se destacar no meio de tantos outros? Talvez seja óbvio: trazer o sentimento para um âmbito honesto, contemporâneo e reflexivo, como ‘Música Para Morrer de Amor’, longa-metragem nacional, faz tão impecavelmente bem em desenvolver, com muita perspicácia e sensibilidade, as diferentes formas de amar e de ser amado nesse mundo moderno dos amores assumidamente líquidos. Sem o menor receio de soar brega, a trama, escrita por Rafael Gomes, a partir da peça Música Para Cortar os Pulsos, de sua autoria, explora os dramas, dilemas e aflições da geração atual e mergulha o espectador em uma imensa piscina de reflexões.

A trama e o elenco

Tendo como base múltiplas histórias de sentimentos mútuos ou não, a trama explora a amizade de Isabela (Mayara Constantino) e Ricardo (Victor Mendes) e como essas relações são pautadas por suas escolhas e decisões ao longo da história. Isabela se apaixona pelo mesmo crush de Ricardo e essa dinâmica de amizade e corações partidos envolve a narrativa com bastante entusiasmo. Além disso, os diálogos são teatrais e formados por frases de efeito, algo que pode incomodar o espectador que está acostumado com o cinema convencional, mas que acaba funcionando dentro dessa proposta de ser a versão cinematográfica de uma peça. Mas sim, em alguns momentos o texto está engessado e não soa tão natural quanto poderia ser. Fora isso, a imersão na poesia da obra é deliciosa e emociona com bastante facilidade. Aliás, a direção de Gomes e a trilha sonora conduzem para esse limbo emotivo que não tem volta.

Na outra ponta do triângulo está Felipe (Caio Horowicz), com sua alma perturbada e que deseja desesperadamente se apaixonar e acaba entrando de “intruso” na relação inabalável dos amigos. O antagonista doce e que, dependendo do ponto de vista, é o personagem mais complexo da trama. O ator está impecável na composição, assim como praticamente todos do núcleo principal, destaque para fantástica Denise Fraga, que interpreta Berenice, mãe de Felipe, e Ícaro Silva, como Gabriel, ex-namorado de Isabela. Todas essas personalidades juntas compõem um romance agridoce, que tem a coragem de dialogar também com os fins, como faz filmes como ‘500 Dias com Ela’, por exemplo, e nem por isso são menos românticos. Até mesmo usando a enjoativa história de Romeu e Julieta como referência para desconstruir certos modelos pré-estabelecidos de relacionamentos e como o tal “amor à primeira vista” acaba acontecendo através da convivência. “Você precisa amar por muito tempo para se apaixonar à primeira vista…”, diz uma sábia frase do roteiro.

A trilha sonora

Dentro dessa composição de ambiente romântico e urbano de uma São Paulo cinza, tem a trilha sonora repleta de músicas nacionais que, por si só, já é reconfortante, colorida e doce. Cada cena tem sua própria canção e a letra guia o espectador pelo sentimento que aqueles personagens estão vivenciando no momento. Desde Roberto Carlos, passando por Milton Nascimento, Fafá de Belém e Clarice Falcão, é um filme feito para ser assistido com fones de ouvido do lado. Fazia muito tempo, especialmente no cinema nacional, que uma trilha sonora não era tão integrada à obra como vemos nesse filme. Além das canções, é assertivo como a trama insere e trabalha personagens LGBTQ+, principalmente por trazer para o palco as outras letras da bandeira além do L e do G. A bissexualidade tem muita importância e a sensibilidade do texto (e da direção!) sabe mostrar, com carinho, como funciona ter interesse sexual pelos dois sexos e como isso gera confusão na cabeça das pessoas. Fora isso, vemos relações gays destemidas, regadas de muito sexo perfeitamente filmado e debates sobre egoísmo e egocentrismo.

Conclusão

A carga dramática é forte e toda a história nos leva a se emocionar e repensar nossas relações com o mundo à nossa volta, poucas obras provocam tantos tipos de sentimentos ao mesmo tempo dentro de nós mesmos como ‘Música Para Morrer de Amor’. De longe, um dos filmes nacionais atuais mais sensíveis e ricos em uma narrativa que envolve, abraça e nos deixa tontos de tão honestamente romântica e contemporânea. Amores líquidos e relações que vão muito além de apenas sexo, a juventude que busca o imperfeito e a fragilidade do amor, todos esses temas fazem parte do roteiro e é realmente difícil não chegar ao final sem se emocionar. “O amor é a própria natureza se defendendo…”, diz uma frase do roteiro, mas a sensibilidade do diretor e roteirista Rafael Gomes não precisa de defesa alguma.

Música Para Morrer de Amor chega agora em todo o Brasil, a partir do dia 20 de agosto nas plataformas digitais, NOW, Vivo Play e Oi Play.

Última Notícia

Mais recentes

Publicidade

Você vai querer ler isto: