Com o fim de ‘Game of Thrones’ a vaga de série épica mais popular do planeta está em aberto e ‘Cursed: A Lenda do Lago’ chega com ânimo para ser uma forte concorrente na corrida, ao lado produções como ‘The Witcher’ e até mesmo ‘Westworld’. Bem, pelo menos no quesito energia e estilo, a nova série Original da Netflix, baseada no livro de Thomas Wheeler, com ilustrações do aclamado Frank Miller, ultrapassa, com bastante facilidade, a série do bruxo estrelada por Henry Cavill. O episódio piloto de ‘Cursed’ tem tudo que se pode esperar de um começo triunfal: apresenta os personagens, insere o público no mundo mágico que a trama irá se desenrolar e ainda encontra espaço para ter lobos gigantes, magia e chuva de sangue. Sim, felizmente há bastante sangue e o tom do projeto é mais sombrio do que o esperado, seguindo a mesma proposta de ‘Carnival Row’, outra série que resgata, com bastante carisma, a fantasia épica que já se esgotou nas telonas e telinhas.
Conheça a lenda ASSUSTADORA que inspirou a série!
Ao seguir a tão utilizada jornada do herói, a trama acompanha a vida de Nimue (Katherine Langford), uma jovem com poderes mágicos que é tratada como bruxa e se envolve em uma aventura para realizar o último desejo de sua falecida mãe. Nimue possui uma espada mágica temida por todos e esse artefato nada mais é do que a Espada do Poder, do Rei Arthur, já que a premissa é mostrar que, antes da Era do Rei, a magia já havia escolhido uma rainha. Dessa forma, a trama transfere a clássica e já batida história do Rei Arthur para um contexto atual, diferente e, no mínimo, envolvente, especialmente por mudar o gênero do protagonista e mostrar como as mulheres são eclipsadas por histórias de heróis masculinos. A criação do mundo mágico também tem algumas novidades e foge do habitual elfos-anões-fadas de sempre, já que mostra outras raças, seres e povoados desenvolvidos unicamente para essa história, com base em lendas arturianas.
O dedinho de Frank Miller nessa releitura sem dúvida dá à trama um ar sombrio, já que, de forma geral, é uma história de vingança, repleta de duelos excepcionais, autodescobertas e muita violência gráfica. A produção é realmente grandiosa, seja em seus cenários reais exuberantes ou na cenografia e figurino, algo que mostra que a Netflix está apostando na série com bastante veemência. Os efeitos especiais, tão necessários em fantasias como essa, estão bons (ao menos para grande parte das cenas!) e condizentes com a proposta. Na contramão dessa mega produção e locações naturais, há aquele tão presente direcionamento da Netflix para se adequar ao catálogo, assim como vemos em ‘O Mundo Sombrio de Sabrina’. É evidente que se trata de uma dramaturgia da Netflix e alguns pontos, como um romance realmente enjoado no episódio piloto e a má construção desse elo, mostram que não tem a ousadia de produções da HBO, por exemplo. Sua aposta principal é fazer algo obscuro, mas com aprendizados infanto-juvenis, algo muito próximo ao tom dos últimos filmes da franquia ‘Harry Potter’. Sem dúvida, um pouco mais de coragem teria feito total diferença.
Katherine Langford (13 Reasons Why), por sua vez, não parece ter sido uma escolha muito sábia. A atriz tem limitações e o papel exige bem mais carisma do que ela pode entregar, no entanto, conforme sua jornada na trama avança, mais a atriz se entrega como consegue, ainda que não seja o suficiente. Já Gustaf Skarsgård (Westworld) entrega uma versão mais despojada e beberrona do famoso mago Merlin, algo que lembra o caminho que ‘Game of Thrones’ tomou com Tyrion Lannister, uma espécie de alívio cômico carismático que pode funcionar dentro da proposta.
Do outro lado, a trama acompanha a jornada de Arthur (Devon Terrell), especialmente doo terceiro episódio em diante, que foca em sua infância e no relacionamento com Nimue. Esses núcleos são interligados com os antagonistas, os temidos Paladinos Vermelhos, estereotipados, mas necessários para criar as alegorias da fantasia escrachada. Aliás, o exagero está presente também na narrativa, algo que dá uma perfeita vibe literária à história. Sua montagem, feita como se fosse a passagem de capítulos de um livro, lembra também algo mais novelesco.
Apesar da qualidade técnica inegável, a história acaba se perdendo ao longo dos enormes e cansativos 10 episódios (8 teriam sido perfeitos!). São muitos personagens e núcleos distintos para serem explorados e a trama se dilata no tempo para conseguir entregar todas as conclusões. Capítulos, como o sétimo, por exemplo, servem para absolutamente nada dentro da história e só prolongam a narrativa, que se torna estafante e tediosa, mas que, felizmente, ganha força nos dois últimos episódios. Porém, talvez seja tarde demais para fisgar o público até lá. A energia está realmente no começo.
Com isso, ainda que tenha sérios problemas de ritmo, a aventura épica de ‘Cursed: A Lenda do Lago’ é uma surpresa promissora, uma forte concorrente na corrida desenfreada para encontrar a sucessora de ‘Game of Thrones’. No entanto, a escolha da protagonista não parece ter sido a melhor de todas, mas o resgate da fantasia consegue encobrir esses deslizes. Em um ano com poucos destaques, sem dúvida, essa série da Netflix se consagra como um evento grandioso, que promete se estender pelos próximos anos.