Sem dúvida, a construção de mundo e a premissa de ‘The Old Guard’ são bem mais sucedidos do que a execução em si. O novo filme de ação da Netflix tem base em uma HQ de mesmo nome, escrita pela dupla Greg Rucka e Leandro Fernández, que já escreveram histórias para ícones da cultura pop como Deadpool, Justiceiro e até mesmo da Mulher-Maravilha, ou seja, fica evidente que sua história de fantasia nada mais é do que um filme de super-herói. Mas esse fato não é assumido pelo longa, muito pelo contrário, tanto a direção quanto o roteiro acabam dando voltas e mais voltas para tirar o filme da caixinha pré-estabelecida do gênero, porém, com isso, acabam caindo em uma outra, talvez mais previsível ainda: a de filmes que tentam desesperadamente fazer o que ‘John Wick’ fez. Dessa maneira, esconde sua personalidade e desperdiça qualquer chance de ter uma identidade própria. De forma geral, é um filme completamente sem estilo ou relevância.
Só não diria genérico pois, como foi ressaltado, a premissa baseada nas HQ’s é diferente do habitual e apresenta seres imortais, que vagam pela Terra ajudando a humanidade desde o começo dos tempos (quase os Eternos!). Sem grandes explicações, somos apresentados ao grupo que, de início, parece apenas soldados treinados para fazer missões complexas, mas logo percebemos que há um fator sobrenatural na história. Essa união de mundos, do contemporâneo com o antigo, da fantasia com uma história mais realista, dá à obra uma energia curiosa e instigante, mas que não substitui a falta de identidade, especialmente visual. Por ser um filme baseado em quadrinhos tão criativos, se espera que tenha personalidade extravagante, porém, não há nada de empolgante além de algumas boas lutas coreografadas com perfeição e a presença de Charlize Theron (Mad Max), sempre excelente no papel de personagens bad ass. Não há uma fotografia marcante ou mesmo sequências de ação de tirar o fôlego, como acontece em obras como ‘Atômica’ e até mesmo em ‘Resgate’, aqui, a zona de conforto passa bem, obrigado!
O roteiro tampouco se importa em dar explicações sobre a origem dos poderes do grupo ou mesmo seus limites e já nos insere no contexto de que são criaturas especiais, quase “deuses” e que, apesar de existirem por centena de milhares de anos na Terra, isso não fica expresso em suas decisões, escolhas e personalidades. Se pegarmos bizarramente ‘Crepúsculo’ como base, a família de vampiros, por exemplo, demonstra constantemente estar cansada, expressão séria e tem um ar de superioridade, algo compreensível quando se pode viver para sempre. A frieza e dor que nasce de ver quem ama partir e o mundo se modificar por milhares de anos, acaba não existindo aqui. O grupo, liderado por Andy (Theron), age como se fossem apenas humanos normais, que se curam rapidamente e só. Essa falta de profundidade afeta todos os personagens, inclusive, os vilões estereotipados e tediosos, que desejam usar os poderes dos imortais para ajudar as pessoas (???). Pois é.
A sensação é que havia história demais para ser adaptada em duas horas de filme e a enxugada que o roteiro dá acaba por deixar de lado diversos elementos que fazem falta na condução de emoção do público ou mesmo para que possamos no importar com os personagens e suas jornadas. Tudo é superficial e cansativo, desde as relações rasas entre eles, até os rumos previsíveis que a história toma. A diretora Gina Prince-Bythewood (A Vida Secreta das Abelhas) mostra que sabe conduzir cenas de ação, já que são bem claras e dinâmicas, realmente boas, mas, por outro lado, tem sérias dificuldades em manter a energia e o ritmo em alta, fora o fato de que não entrega nada de novo quando se trata de planos elaborados e surtadas divertidas, que são plenamente permitidas em filmes desse gênero. Tudo é tão linear e comportado, que passa longe de ser uma boa adaptação de quadrinhos adultos. Aliás, até mesmo a violência é fraca, apesar de obviamente existir.
Dessa forma, mesmo com cenas de luta divertidas de assistir, ‘The Old Guard’ é uma reunião de boas e promissoras ideias, mas que falha em sua execução por ter medo de se assumir ser um filme baseado em quadrinhos. A ausência de estilo e identidade própria impede que esse seja um dos filmes mais divertidos de um ano cheio de espaços vagos e que está órfão de filmes de super-heróis. Não há nada que já não tenhamos visto antes e, ainda que tente fortemente replicar outros bons filmes do gênero, como ‘John Wick’ e ‘Atômica’, é completamente esquecível perto deles. Charlize Theron merece liderar uma franquia bem mais inspirada do que essa.