Crítica | O Grito: Origens – Falta terror e sobra enrolação na série da Netflix

Mesmo como forma de complemento aos filmes, ‘O Grito: Origens’ (JU-ON: Origins), nova série japonesa original da Netflix, fracassa em trazer qualquer novidade que já não exista na franquia de terror que tem feito parte do imaginário do público por tantos anos. Com apenas seis episódios curtos (de menos de 30 minutos), a trama utiliza a mesma fórmula dos filmes, de se dividir em núcleos e linhas temporais para mostrar o “contágio” da maldição através dos anos, porém, como sua premissa básica é revelar a tal origem de tudo – como diz o próprio título -, era esperado que fôssemos finalmente conhecer alguns pontos novos, ainda inéditos nos filmes, o que de longe não acontece.

A sensação, após terminar a 1ª temporada, é que a série tenta desesperadamente se inserir no universo da franquia mas sem se assumir ser, de fato, parte canônica dela, já que evita utilizar alguns elementos essenciais, como o bizarro som de gato que sai da boca dos mortos e até mesmo o visual dos fantasmas, pálidos e com cabelos no rosto, com isso, o resultado é quase que um produto genérico derivado, sem alma e que só se salva por alguns pequenos detalhes e pela atmosfera que cria.

Para refrescar a memória, vale lembrar que ‘O Grito’ (The Grudge), filme de 2004 estrelado por Sarah Michelle Gellar, faz parte de uma série de filmes japoneses de terror criados por Takashi Shimizu, conhecidos também como ‘Ju-on’ no Japão, sendo esse, o 3º filme da série e o único que foi para o cinema. Apesar de cada um ter uma trama própria, todos os filmes falam sobre o mesmo tema, formando uma unidade de histórias. O filme ainda possui duas continuações intituladas ‘O Grito 2’ e ‘O Grito 3’, que foram grande fracasso de bilheteria em 2006 e 2009 respectivamente. Já em 2020, chegou aos cinemas outra refilmagem ocidental de mesmo nome, dirigido por Nicolas Pesce. Apesar de não ter agradado o público, ao menos essa versão se passa nos Estados Unidos e busca trazer algumas atualizações para a história. Ou seja, com tantas obras, sabemos como a maldição funciona, mas nunca descobrimos como tudo teve início, por conta disso que a série é tão frustrante no que se propõe.

Outro ponto importante é saber que o criador da franquia, o já citado Takashi Shimizu, não tem envolvimento com a série da Netflix. Isso comprova que talvez o medo da produção de explicar demais algo que nem ao menos foi desenvolvido por ela é algo real. Até mesmo o remake de 2020 tem o dedinho de Shimizu, então, a partir disso é visível que a série se trata de apenas um derivado que se passa no mesmo universo da história original, mas que não faz parte dela em si, como era de se esperar que fizesse. Sendo assim, vamos prosseguir. O começo da história parece promissor e o suspense criado pela direção dá a entender que a série irá abordar o surgimento de cada um dos aspectos da maldição, seja o tal miado de gato ou mesmo a ideia de que a maldição nasce de uma morte extremamente violenta e cruel.

Nesse quesito, conhecemos a icônica casa que tanto já vimos no cinema e também alguns personagens que guiam a trama para caminhos familiares. Os dois primeiros capítulos são instigantes e misteriosos e é interessante como o roteiro deixa o terror de lado para desenvolver seus protagonistas com mais calma, aproveitando muito bem o tempo dado (se contabilizar, a série funciona como um filme de um pouco mais de três horas!) porém, isso acaba se estendendo além do necessário e, quando nos damos conta, a série já acabou sem grandes surpresas.

No intuito de ter mais liberdade para chocar o espectador, há gatilhos pesados de estupro e violência doméstica, que torna a trama bastante ousada e bizarra, já que segue por um caminho bem mais explicito e gráfico que os filmes. Nesse aspecto, o terror é desenvolvido de forma psicológica e os fantasmas acabam em segundo plano, o que é até bom e diferente. Diversas cenas de assassinatos são realmente pesadas e angustiantes de acompanhar, bem mais terríveis que a presença maligna das assombrações, como a tal cena gore de um feto sendo retirado vivo da barriga de sua mãe falecida que, além de visualmente impressionante, ainda embrulha o estômago do espectador com a tamanha destreza dos efeitos práticos da produção.

Porém, a trama começa em 1988 e avança diversos anos no tempo. Esses saltos temporais são também a perdição da história, além de não mostrarem mudanças físicas nos personagens ao longo dos anos, destruindo qualquer construção de passagem de tempo na cabeça do espectador, ainda começam a dar um verdadeiro nó com o excesso de personagens secundários e tramas paralelas, que só servem para confundir e desorientar a narrativa. Nos últimos capítulos, quase nada faz sentido e o quebra-cabeça, que foi pensado para ser inteligente, é um puro e completo desânimo, que termina de forma abrupta, apenas para que haja gancho para a 2ª temporada.

Com isso, ‘O Grito: Origens’ frustra as expectativas e entrega uma trama confusa, que troca o terror convencional por uma história enrolada e que nem ao menos provoca nostalgia. De todas as obras dentro do universo da franquia, talvez a série da Netflix seja a que melhor ilustre o desgaste da história e a falta de criatividade dos realizadores de fazer algo diferente. Fora algumas cenas gráficas bem realizadas e a construção de suspense de certos momentos, o derivado segue sem alma e apenas desperdiça oportunidades. Porém, ainda assim, não é completamente desinteressante e a possível segunda temporada pode ser até ser promissora, mas uma coisa é certa: tudo que poderia ser extraído de ‘O Grito’ ao longo de todos esses anos, já foi.

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