A sensibilidade do olhar cinematográfico funciona para envolver o público em uma trama que, acima de tudo, está sendo desenvolvida para atingir diretamente o ponto fraco, que é o coração. Ainda que o cinema, de modo geral, conquiste pela ligação que estabelece com cada indivíduo, algumas obras são elaboradas para comover mais do que outras. Essa tal comoção também funciona para encobrir seus defeitos. Dessa forma que ‘Adú’, novo drama espanhol da Netflix, se encaixa e acaba sendo um ótimo exemplo de como o olhar sensível e delicado sob um assunto consegue desviar o foco do espectador de seu desenvolvimento ruim e entrega uma jornada de pura manipulação emocional sobre um menino extremamente inocente que se torna vítima dos males do mundo.
O roteiro divide a trama em três núcleos e essa bifurcação, feita para que a trama tenha mais conteúdo e energia, acaba mesmo é inflando a história, especialmente pelo fato de que cada núcleo trata de um assunto relevante demais para ser dividido com outros, ou seja, fora a jornada de tragédias do menino protagonista, que sai de Camarões rumo à Israel, as demais histórias são fracas e não funcionam com a potencialidade que deveriam, principalmente a dos policiais que se envolvem na morte de um imigrante na fronteira.
Outro ponto negativo fica por conta da superexposição de cenas fortes e explícitas apenas para construir emoção no público, como a morte de uma personagem em um avião de fuga e outros elementos, como prostituição, por exemplo, que, ainda que sirvam para exemplificar a realidade da proposta, acabam perdendo sua necessidade dentro da trama. Porém, fora essas manipulações propositais e descaradas, quando o roteiro foca na dinâmica do menino protagonista, é aí que desenvolve sua melhor e mais marcante faceta.
O jovem Moustapha Oumarou é uma preciosidade e sua performance é o ponto alto do filme. Tão novo e entrega uma emoção absurda, linda de se ver. Assim como a atriz Zayiddiya Dissou, que vive sua irmã, o recorte doloroso da miséria e das perdas cruéis, tanto em sua terra-natal quanto quando se tornam imigrantes, é onde habita a força e a eficiência da direção do espanhol Salvador Calvo, em retratar – de forma verossímil – um ambiente ainda desconhecido e hostil para grande parte do mundo ocidental. A crise imigratória de 2018 e suas consequências ainda é uma ferida aberta que tem sido abafada pelos governos, por conta disso, o cinema precisa contar e recontar essas histórias de luta, sempre identificando figuras fortes para representar e dar voz ao imediatismo da situação, como acontece aqui.
Há também outros debates que são inseridos, porém mal desenvolvidos, como a consciência de classe e a preservação do meio ambiente. Essas tramas paralelas ficam sem desfecho e a sensação é de que o roteiro tenta abraçar questionamentos demais em apenas uma obra. Falta espaço para desenvolver e, com isso, também dar tempo para o público digerir e refletir sobre tais pontos. Como a narrativa é ágil e até recorta bem de um núcleo para o outro, falta mesmo uma ligação mais poderosa entre eles, como acontece em filmes como ‘Babel’ (2006), por exemplo, por outro lado, há semelhanças com obras como ‘Lion: Uma Jornada Para Casa’ e, nesse aspecto, não há espaço para humor ou mesmo alguma leveza, já que o drama abraça totalmente a carga emocional. Não que seja necessário, mas a porrada é tão forte, que talvez fosse interessante mostrar momentos do menino sendo apenas uma criança, recortes de alegria de seu cotidiano, como vemos em ‘Milagre na Cela 7’, outro drama cujo intuito é emocionar e que sabe bem dosar o humor com o peso de sua história.
Através disso, ‘Adú’ consegue ser um drama emocional poderoso pelo recorte pesado da realidade, porém, seus diversos núcleos e tramas paralelas acabam por deixar a trama cansativa e tiram também parte do efeito causado pela jornada angustiante do menino protagonista. O famoso “soco no estômago”, personificado em uma obra feita para emocionar, enquanto provoca reflexões e questionamentos sobre a crise imigratória.