Tem filmes que já nascem com o simples e direto propósito de entreter. No entanto, para entrar nessa seleta lista de entretenimento de qualidade não basta apenas fazer uma farofa e não colocar tempero, é preciso ter energia, diversão e um pezinho na reflexão. Três pré-requisitos que ‘Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars’ (Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga) cumpre com bastante eficiência. A comédia romântica da Netflix mescla o gás e entusiasmo de musicais para desenvolver uma história bastante eficiente no que se propõe ao seguir o modelo já pré-estabelecido de outras obras e a estrutura básica do gênero. O longa não tenta reinventar a roda, mas aproveita que ela já foi descoberta para se divertir sem medo de soar ultrapassado ou fora do seu tempo, mesmo que sua pegada tenha sim uma vibe anos 1990.
Na trama, um casal de amigos vive em uma cidadezinha pequena da Islândia e sonha, desde adolescente, deixar aquele lugar e cantar no magnífico Festival Erovision, que reúne artistas de toda a Europa. Nessa jornada entre se desvincular das limitações e chegar ao estrelato, a dupla começa a perceber que há algo crescendo dentro deles e que somente esse amor e união pode os levar para conquistar o mundo. Dentro dessa premissa, o roteiro desenvolve uma comédia pastelão toda trabalhada nos exageros, mas que é sustentada pela química absurda entre Rachel McAdams (Meninas Malvadas) e Will Ferrell (Escorregando para a Glória). A atriz, que realmente rouba a cena com sua performance doce, ingênua e emocional, se equilibra no tom descompensado de Ferrell, formando assim uma estranha dose de diversão, que só funciona mesmo quando estão juntos em cena, fora isso, McAdams sustenta o drama de sua personagem e Ferrell não.
A direção de David Dobkin (Bater ou Correr em Londres) é bem sucedida, tanto em mostrar esses momentos de química do elenco, quanto em mostrar a grandiosidade do Festival de música, em planos espetaculares, que lembram algo como o musical ‘Bohemian Rhapsody’. No entanto, ainda que a proposta pegue carona no sucesso de ‘Nasce Uma Estrela’, a intenção da produção de fazer algo apaixonante é mais sucedida do que o resultado descompensado de algumas cenas, mesmo que o roteiro esteja ciente de muitas presepadas, como as próprias canções cafonas das bandas competidoras e os figurinos exagerados dos artistas, aliás, vale ressaltar que a direção de arte e figurino da produção são puro deleite visual, tanto em cores quanto em formas. Essa overdose de tons e luzes fazem o espetáculo valer a pena e auxiliam na construção da ambientação da história, que parte de uma cidade isolada e fria, sem ânimo e tediosa, para um mundo megalomaníaco, onde a música é uma verdadeira explosão de vida, criatividade e energia.
Ainda que use o humor exacerbado para esconder os deslizes, nas camadas mais submersas do roteiro há reflexões interessantes sobre perseguir sonhos e como as pessoas podem te tirar dos trilhos com facilidade. Ainda mais fundo que isso, há críticas sobre a indústria da música e a forma como desacredita no potencial de artistas, como utiliza a imagem de alguém acima da qualidade musical. Essas mensagens estão ali e funcionam para provocar emoção no público. Os personagens são sonhadores e acreditam em seus talentos, mesmo quando ninguém mais acredita, isso mantém a força para alcançar os objetivos, mesmo que haja diversas situações de pura sorte pelo caminho, como explosão de barcos sem o menor sentido e/ou consequência.
As piadas até são boas, porém, nem todas funcionam, especialmente quando o roteiro viaja além do necessário e foge da realidade que estava sendo construída, como nas cenas em que a cantora Demi Lovato faz participações como um fantasma. Essa discrepância tira o espectador do momento e acaba empobrecendo a narrativa. Fora a má construção de alguns personagens secundários que são completamente genéricos, como o “vilão” irritante vivido por Dan Stevens (Legion) e o pai do protagonista, vivido por Pierce Brosnan (Mamma Mia!).
Dessa forma, ‘Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars’ é exagerado até no título, mas sua premissa simpática e enérgica entrega uma overdose de entretenimento. Ainda que tenha desperdiçado a oportunidade de ser tão grandioso quanto sua intenção, é evidente que sem a presença de Rachel McAdams, teria sido só mais um filme esquecido de Will Ferrell. Ainda assim, há elementos bons e presepadas hilárias que vão agradar o público que busca apenas uma comédia básica para se distrair na Netflix.