A clássica estrutura “gato e rato” parece ser algo que os roteiristas não cansam de utilizar em suas narrativas, já que, quando bem feito, funciona para movimentar a trama para frente, porém, na grande maioria dos filmes de ação genéricos, como ‘Bala Perdida’ (Balle Perdue), novo filme francês da Netflix, esse modelo é desgastante, previsível e desanimador. Não que seja ruim ou que fracasse na ação desenfreada que se propõe a fazer, mas também não agrega novidade, não sai de sua zona de conforto e se mantém no mesmo nível do começo ou fim, sem surpresas ou ousadias, ou seja, por que então houve empenho do serviço de streaming em realizar algo tão vazio e sem graça que só serve para preencher catálogo? A resposta está aí, a quantidade que conta muito mais que a qualidade para a Netflix nesse momento e esse filme é a personificação disso.
Com a sua estrutura básica intacta, a trama acompanha a vida de um mecânico que cria carros modificados para serem utilizados em assaltos e que, após ser preso, começa a usar toda a sua inteligência para trabalhar para a polícia. Até aí, tudo bem, é uma premissa genérica mas ao menos rende uma farofa boa, no entanto, quando o roteiro parece perdido na criatividade, começa a colocar policiais corruptos, reviravoltas rasas e o clássico “bandido que vira mocinho”, descartando toda e qualquer possibilidade de fazer algo original. Nesse contexto, há sim boas cenas de ação (parabéns por fazer o mínimo!), especialmente pela produção utilizar efeitos práticos no lugar de efeitos especiais, algo que deixa as perseguições de carros muito mais realistas e divertidas de se assistir. Nesse ponto, o filme realmente acerta, mais que outras obras com orçamentos bem maiores, que fazem tudo na pós-produção.
No melhor estilo ‘Velozes e Furiosos’, há carros “geneticamente modificados”, corridas malucas e perigosas e muita adrenalina, ou pelo menos é isso que o diretor Guillaume Pierret acredita estar fazendo. Enquanto mira na franquia do Vin Diesel, acerta em uma versão policial desanimada do blockbuster. Ainda que começa com um ritmo bom, ao mostrar o protagonista Lino (Alban Lenoir) em um assalto mirabolante, seu miolo dá voltas e mais voltas sem sair do lugar, somente gastando a gasolina da paciência do espectador. É muita enrolação para que, finalmente, o clímax chegue e com ele o filme possa se reerguer. Isso acontece, em partes por conta das boas cenas práticas já citadas, mas continua sendo uma história que já sabemos o desfecho antes mesmo de começar. Alban Lenoir (Marianne) está bom no papel que não lhe exige muito. O elenco, como um todo, entrega apenas o básico.
Além do roteiro superficial, há incontáveis erros de continuidade na história e isso mostra que a produção estava tão centrada em fazer boas cenas de ação, que se esqueceram de ornar todo o restante do filme, já que é apenas as sequências mirabolantes de carros sendo jogados por cima de outros que deve agradar o público alvo específico. As incoerências são tantas, que até mesmo o tal carro, elemento-chave que precisa ser protegido pois contém uma prova fundamental para comprovar a inocência do protagonista, é utilizado pelo mesmo em cenas perigosas e destrutivas no clímax, apenas pelo fato de que os roteiristas acham divertido colocar algo tão crucial em perigo, sem a menor justificativa plausível para a história. Fora isso, é mais um daqueles casos em que o protagonista é blindado por um poder sobrenatural – chamado roteiro raso – que não permite que possa morrer, mesmo atravessando o para-brisa de um carro em alta velocidade. Pois é.
Com isso, ‘Bala Perdida’ tenta exaustivamente ser o ‘Velozes e Furiosos’ francês e até tem ótimas cenas de efeitos práticos, mas seu roteiro é tão superficial e genérico, que nem mesmo a ação compensa. É um filme extremamente zona de conforto, que não arrisca, não agrega e não diverte. Se mantém naquela linha tênue entre fazer o mínimo, para atrair seu público alvo, e se manter básico, para não afastar quem já foi fisgado, de resto, só se salvam mesmo algumas sequências de ação e olhe lá.