Crítica | ‘A Comédia dos Pecados’ é diferente, ousado e polêmico

O tom satírico e ácido do roteiro de ‘A Comédia dos Pecados’ (The Little Hours), sucesso recente na Netflix, é também seu forte, já que o roteiro, ainda que tenha uma premissa criativa, dá voltas e mais voltas em torno de uma trama tediosa e repetitiva. Seu título original pode dar uma pista sobre a história, que se passa grande parte em um convento italiano, ser lenta e as horas não saírem do lugar. Esse tédio se torna uma grande prisão, seja fisicamente ou dos desejos reprimidos dos personagens, que os leva a fazer as presepadas visando extrair humor com o cotidiano exaustivo e tedioso das freiras.

A direção de Jeff Baena (Entre Realidades) é precisa em explorar essa rotina sem novidades. Tudo parece linear, até mesmo a direção de fotografia lavada, carregada de luz natural, que dá ao filme um ar documental. Mas um recorte documental com bastante humor, já que a proposta é mostrar o que acontece se um homem jovem e bonito (Dave Franco) for inserido no contexto desanimado e curioso das freiras solitárias. Essa união de mundos faz a vida no convento virar de pernas para o ar e, como podemos esperar, entrega as piadas mais consistentes do roteiro. O lugar em si já é estranho e cômico, então o que o diretor faz é aproveitar seu ótimo elenco para transmitir a maluquice das situações e as vontades ocultas dos personagens.

Com um começo intrigante e diferente, a trama acaba perdendo força na metade e se arrasta mais do necessário na introdução de jovem Masseto (Franco) no convento e na vida das meninas. A longa desconfiança das outras freiras quando Alessandra (Alison Brie) começa a se envolver com ele é outro fato que se estende demais. Até o circo pegar fogo, o tédio, que tanto era objeto de observação, toma conta da trama e não permite que o humor possa se sobressair. Ainda assim, boa parte das piadas são boas e consistentes, especialmente da personagem vivida pela atriz Kate Micucci, que rouba a cena. Aubrey Plaza (Ingrid Goes West) também diverte com seu ar naturalmente cômico e debochado. O elenco feminino está ótimo e todas as atrizes entregam bastante carisma.

Por trás do humor absurdo, sua trama é bem possível e realista, ainda que seja de época, é um filme sobre como a religião, como um todo, castra os sentimentos e desejos e como há extrema hipocrisia vindo do agente castrador (que um dia também foi castrado), nesse caso, o padre, que encaixa os sentimentos das meninas na caixa do pecado e, dessa forma, faz morrer suas vontades. Elas, por outro lado, também estão na fase de descobertas e isso colide diretamente com o juramento de servir apenas à Deus. Certamente fazer piada com religião rende polêmicas, mas o roteiro não tem medo de ousar e tocar em nenhuma ferida exposta, inclusive, com uma reviravolta “satânica” no desfecho, que quase encaminha a trama para um viés de terror. Uma surpresa ótima e divertida.

Dessa forma, ‘A Comédia dos Pecados’ usa seu roteiro debochado e humor ácido e blasfêmico para polemizar, enquanto faz uma crítica social à castração de sentimentos pela religião. O elenco de atrizes está ótimo e os absurdos das situações certamente irá divertir quem busca uma comédia diferente e ousada, do restante, a trama perde força com rapidez e o tédio ganha espaço da metade para o final. Ainda assim, sua provocação é divina.

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