Crítica | 365 DNI – Pornô da Netflix romantiza estupro e aplaude predador sexual

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É fácil ser taxado de moralista ao avaliar tramas que tem o sexo como base. Filmes que falam sobre sexo ou tem erotismo em sua premissa geralmente causam alvoroço no público. Esse tema sempre foi um paradigma para o cinema. Apesar de ser um ato humano comum, ainda é pouco aceito, porém, quando bem trabalhado, rende obras interessantíssimas, como ‘Love 3D’, do diretor Gaspar Noé. Caso contrário, o resultado é desastroso, como acontece com ‘365 Days’ (365 DNI), novo filme da Netflix. Mas o problema seria o sexo em si ou o uso equivocado e até mesmo irresponsável dele?

O erotismo, como elemento de roteiro, dá substância a histórias cujos personagens desenvolvem uma química ao longo da jornada, que culmina no ato sexual para consumar essa ligação. Dessa forma que o sexo é utilizado no cinema, em sua grande maioria, como relaxamento antes de um grande confronto, como uma pequena vitória antes do clímax. Mas e se o filme é somente sobre sexo, como ’50 Tons de Cinza’, como deve proceder essa narrativa? Bem, de qualquer forma que não seja um grande emaranhado de nada, que não caminha para lugar algum e que só serve para disfarçar o desejo de ser um pornô de arte que tem medo de se assumir como tal.

A trama, se é que faz algum sentido lógico, acompanha um homem que se “apaixona” por uma mulher desconhecida e a sequestra, com o intuito de fazê-la se apaixonar por ele na marra, enquanto promete não tocá-la sem sua permissão (uma clara e absurda desculpa do roteiro para tentar encobrir atos criminosos). Nesse contexto bizarro e perigoso, o roteiro abraça polêmicas e defende, com bastante força, ideias controversas, perigosas e irresponsáveis. É tanto erro, que fica difícil enumerar, mas é bom começar pelo papel extremamente machista e fetichista que as mulheres possuem nesse universo da trama. Elas são objetificadas e servem apenas para ser um recipiente sexual para os homens e, dessa forma, se constrói o relacionamento tosco entre os protagonistas. A visão fetichista da diretora Barbara Białowąs vai de encontro com tudo que não está certo.

Enquanto romantiza o estupro, flerta com relacionamentos abusivos como se fossem normais, aplaude um personagem predador sexual e se embriaga de assédio, usa justificativas rasas e superficiais, como o fato de a protagonista não ter atenção do marido e ter desejos sexuais reprimidos, para encobrir uma história sem pé nem cabeça sobre como ela acaba revertendo a situação do sequestro e transforma o homem em “escravo” de suas vontades, seduzindo-o, porém, isso não se justifica e ainda realça os problemas, colocando ainda mais lenha na tensão sexual entre eles. Uma falsa sensação de estrar dando poder a uma personagem feminina, quando na realidade, o intuito é fazê-la jogar o jogo de forma ainda mais erótica e, com isso, fazer o público se envolver, como um ato sexual que nunca chega ao seu ápice.

Ao sair dos múltiplos aspectos problemáticos do roteiro, a produção em si segue a mesma e cansativa vibe de ’50 Tons de Cinza’, ao colocar uma trilha sonora genérica em cenas eróticas para tentar aumentar a emoção da falta de química entre o elenco. A direção não enquadra cenas explícitas, mas mostra os atos sexuais por outros ângulos, como se o espectador fosse, de fato, um voyeur na história. Os belos cenários filmados em plano-aberto, as locações em diversos países e a grandiosidade da produção, de nada servem, já que toda a história poderia ser resumida em 20 minutos de cenas eróticas, pois é esse o proposito e nada mais.

Não tem substância, as atuações são bizarras de péssimas, os personagens são mal desenvolvidos e o desfecho é um verdadeiro show de horror. No centro do “romance” tem o ator Michele Morrone, que dá vida a um homem insuportavelmente irritante, e Anna Maria Sieklucka que, sinceramente, não tem a menor personalidade e carisma. Mas o roteiro não precisa disso, o necessário é apenas rostinhos bonitos e corpos padrões para guiar a paixão súbita que nasce entre os dois (mas que poderia facilmente ser chamada de Síndrome de Estocolmo, para os mais íntimos).

Com isso, ‘365 Days’ tenta ser uma besteira erótica ao nível de presepada de ’50 Tons de Cinza’, mas acaba indo mais fundo na bizarrice ao romantizar o assédio e aplaudir um protagonista predador sexual. É tão errado, tão irresponsável e tão ruim, que a sensação é de estar assistindo uma visão completamente machista e fetichista de um mundo ao avesso de tudo que o cinema buscou corrigir nos últimos anos. Não é apenas sexy ou erótico, é o mais puro pornô de arte que finge ser um blockbuster e se fortalece de polêmicas para atrair curiosos. Não diverte, não tem carisma e, se o intuito era excitar o espectador que busca uma “aventura sensual”, pode ter certeza de que o resultado é frustrado.

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