A dualidade entre o “bem” e o “mal” é a engrenagem que sustenta e movimenta da trama de ‘Paixão Obsessiva’ (Unforgettable), suspense de 2017 que está fazendo sucesso na Netflix. Porém, essa ideia de brincar com opostos acaba ficando apenas no imaginário do espectador, já que o roteiro, extremamente previsível, segue por caminhos convencionais e sustenta os maiores e mais exaustivos clichês do gênero ao acompanhar o duelo irracional e teatral entre duas mulheres por um… homem. Essa ideia reforçaria com facilidade a tão ultrapassada rivalidade feminina, no entanto, ao menos por esse caminho, a trama segue por um viés de possessão e abuso, que justifica a rivalidade através da autodefesa e que toma partido em deixar bem claro quem é a vilã e quem é a mocinha.
E é essa falta de equilíbrio entre as duas personagens protagonistas que enfraquece por completa a trama. O roteiro desperdiça a oportunidade de brincar com as personalidades, ao escolher sua vilã estereotipada e sua heroína traumatizada, sem deixar espaço para que possamos nos surpreender com as nuances entre uma e outra. E é realmente uma pena que o roteiro siga por caminhos óbvios, já que a performance de ambas atrizes é intensa e envolvida com suas narrativas. Tanto Rosario Dawson (Demolidor), com sua postura honesta, porém carregada de traumas do passado, quanto Katherine Heigl e sua presença rígida e marcante, fortalecem uma química boa entre elas e as cenas que estão juntas são definitivamente as melhores.
Porém, do lado oposto as boas atuações, está o clima genérico de suspense e os sustos medíocres que a direção de Denise Di Novi (produtora de filmes como Adoráveis Mulheres e Ed Wood) escolhe fazer. Como se o filme fosse um terror slasher de baixo nível, até mesmo os tão complicados jump scares são usados para fazer o espectador se assustar, sendo que, nesse aspecto de relacionamento abusivo e violência doméstica, a simples referencia de que alguém corre perigo já desperta o suspense necessário para manter o público vidrado, como ‘O Homem Invisível’, por exemplo, faz tão bem. Nessa premissa, a construção de perigo é desfeita a todo momento pela previsibilidade das decisão das personagens e por já sabermos do desfecho, afinal, a trama começa pelo “fim”, quando a personagem de Dawson está depondo na polícia sobre ter sido incriminada por alguém, e depois retorna 6 meses antes para mostrar como tudo desencadeou aquela situação. Desse momento em diante, já fica mais claro que o sol quem é quem na história.
Além de uma construção falha de suspense, as situações e os confrontos entre as personagens são teatrais em excesso e, em alguns momentos, o roteiro parece uma novela mexicana de tão fraco e óbvio. Até mesmo os diálogos são rasos e mal desenvolvidos. Não há camadas, ainda que mostre a mãe da personagem de Heigl para justificar que sua pose vilanesca vem de uma criação rígida, a trama nunca mergulha de fato em sua versão solitária e angustiada, nunca abaixa a guarda e não sabe trabalhar a empatia do público. O desfecho, com o tão aguardado confronto entre as duas, é corrido e estruturado apenas para que todas as narrativas pudessem colidir em apenas um local, sendo que nem mesmo as reações das personagens condizem com suas construções até então. O clímax demora demais para chegar e, quando chega, é frustrante.
Dessa forma, ‘Paixão Obsessiva’ tem uma direção tão obcecada em fazer o público se chocar a qualquer custo, que esquece de colocar amor no roteiro demasiadamente genérico que desenvolve. Ainda que sabiamente expõe os sistemas institucionais que colocam em risco as mulheres negras e protegem as mulheres brancas, não entrega a atmosfera que promete e só se salva, com muita luta, por conta do desempenho sincero e simpático da dupla Rosario Dawson e Katherine Heigl. No demais, diverte se você não tiver nada mais para assistir.