Crítica | ‘A Missy Errada’ é a pior comédia do ano da Netflix

Seria cômico se não fosse trágico como uma comédia consegue se autossabotar tão facilmente quanto ‘A Missy Errada’ (The Wrong Missy) consegue. Absolutamente tudo está pelo avesso nessa história absurda, sobre situações absurdas e personagens absurdos, que pega o humor inteligente e criativo e joga no lixo em prol de fazer rir com um roteiro que mais parece ter sido escrito por um pré-adolescente viciado em comédias do Adam Sandler do começo dos anos 2000. Mas vamos então mergulhar em sua proposta e entender como pôde dar tão errado. Para começar, o já citado roteiro é o vilão supremo. Além de apenas replicar conveniências do gênero, segue uma estrutura bizarra. Não há profundidade em nada, o romance não faz o menor sentido e a comédia só faz rir se você estiver de muito bom humor.

Partindo para a direção, Tyler Spindel (Pai do Ano) tem uma visão realmente destorcida de como fazer um filme coerente. A trama não anda para lugar algum e se mantém presa em um ambiente que, em outras condições, até renderia boas risadas, mas aqui é tudo tão carregado de exageros, que não funciona. As pouquíssimas piadas que realmente decolam são exatamente as mais simples, já que o longa escolhe uma protagonista que é puramente uma metralhadora de piadas sem graça, que vence pelo cansaço de tão enjoada e irritante que é.

Mas a culpa (em partes) não é da atriz Lauren Lapkus (Orange Is The New Black). Apesar de sua atuação estar dez níveis acima do restante do elenco (no sentido de exagero mesmo), suas caras e bocas até são engraçadas e, quando para de entregar o texto aos berros, é naturalmente divertida. Porém, infelizmente, após poucos minutos de filme conduzidos por ela, a vontade de desistir é tentadora. E olha que depois da “irmã gêmea” de Adam Sandler em ‘Cada Um Tem a Gêmea que Merece’, não achei que veria nenhuma personagem insuportavelmente pior. Mas o nível foi ultrapassado. Fora isso, para completar o circo, David Spade entrega um protagonista tão insosso e sem sal, que suas reações de perplexidade é claramente a mesma do público em vê-lo tentar desempenhar um papel que nem mesmo humor tem para tal. É desastroso.

O tipo de humor, desde o primeiro minuto de filme, é o mais superficial possível. E olha que ser superficial às vezes é bom. Se pegarmos a franquia ‘Todo Mundo em Pânico’ como exemplo, o humor é pastelão e escrachado, mas há um trabalho empenhado em fazer as piadas, ainda que malucas, funcionarem. O que acontece aqui é o inverso, a vergonha alheia é tão grande, que a graça se dissipa e o que sobra é apenas uma pagação de mico sem precedentes. A comédia, de todos os gêneros, é o que possui maior liberdade criativa para surtar e, obviamente, não há a menor necessidade de uma comédia assumidamente boba e distrativa ser digna de prêmios pela sua inteligência narrativa, porém, assistir um filme é se entregar a um mundo que precisa fazer sentido, que precisa ser coerente com suas regras e, acima de tudo, ter um roteiro minimamente eficiente. Não há nenhuma dessas coisas nesse filme da Netflix.

A personalidade surtada da protagonista não é justificada em nenhum momento, assim como o súbito interesse amoroso forçado do “galã” por ela e sua falta de profundidade e emoção. Até mesmo quando está triste, a atuação da atriz é tão sem nexo, que esse sentimento não transparece, dificultando ainda mais nossa empatia por ela. A sensação, real, é de que ela possui problemas mentais, quando o roteiro, na verdade, queria apenas criar uma personagem destrambelhada e fazer humor com sua falta de tato com o mundo. Será mesmo? No fim das contas, é difícil escolher o que desce a ladeira rumo ao desastre mais rapidamente. A trama “feijão com arroz” replica as clássicas confusões clichês de troca de malas, mensagens erradas enviadas e outras presepadas Sessão da Tarde de filmes rasos; os atores coadjuvantes requentados de comédias antigas mais atrapalham do que acrescentam; a direção é completamente perdida e até o ritmo é estranho, corrido e desenfreado a troco de nada.

Com isso, é realmente trágico como ‘A Missy Errada’ dá tão absurdamente errado. Nada faz sentido nessa história superficial e sem graça. É difícil decidir se é o humor tosco e todo trabalhado no exagero ou é a protagonista descompensada, que se excede na vergonha alheia, o real motivo de essa ser, de longe, uma das piores experiências que a Netflix nos fez passar esse ano. Se a proposta do roteiro era replicar a vibe “filme Adam Sandler”, a homenagem fracassou catastroficamente, e olha que não era uma tarefa difícil de acertar.

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