Se tem uma coisa que o roteiro incisivo de ‘Dias sem Fim’ (All Day and a Night), novo drama da Netflix, faz, é seguir a tal regrinha dos três minutos, que consiste em apresentar sua premissa, seus personagens e seu propósito já nos primeiros minutos do filme. Com esse dinamismo, o começo já aperta o gatilho (literalmente!) e mostra o tom sombrio e realista que irá reverberar por toda a trama. E, de fato, reverbera, já que acompanha a jornada difícil de um jovem negro, que teve uma vida fadada ao desfecho violento, que serve de ponto de partida para a história. Dessa forma, seguindo uma narrativa não-linear, vemos como sua infância o levou aos caminhos do presente. Com isso, ainda que haja bons elementos que trabalham o suspense de forma coerente, a força da obra está, sobretudo, na presença marcante de seu elenco.
Como o diretor Joe Robert Cole (roteirista de Pantera Negra) aposta em uma narrativa densa e carregada de drama, os demais elementos, ou não existem ou são deixados de escanteio, como a presença de um alívio cômico, por exemplo, já que a história é intensa e destemida em mostrar cenas pesadas, mas não há equilíbrio com humor. Essa falta de descarga emocional muito se deve também, obviamente, à proposta do diretor e do roteiro de mostrar, sem amarras, a dura realidade da vida de muitos jovens negros desfavorecidos, que nascem em uma estrutura falha de família e, desde cedo, são obrigados a entrar para o mundo do crime, até mesmo para sobreviver dentro de sua própria comunidade. Toda a jornada do protagonista é estruturada nesse realismo cru e frio, que molda sua vida adulta. Aliás, o ator Ashton Sanders (Moonlight) é uma obra prima por si só. Sua performance intensa, do começo ao fim, faz os deslizes do filme serem perdoados.
De certa forma, todos os elementos estão alinhados com a proposta e nada destoa gravemente. A direção de fotografia, por vezes, lembra a belíssima de ‘Moonlight’ e a direção mergulha na intensidade das sequências e desenvolve muito bem seus personagens principais, no entanto, algo está fora do lugar: o ritmo. Ainda que siga um ritmo lento e desenvolva cada conflito sem pressa, a longa duração (de mais de 2 horas) faz o filme cansar e, com isso, alguns detalhes podem passar despercebidos. Até mesmo a reflexão proposta, que não é apenas uma, mas várias, sobre o sistema de sociedade em que vivemos, pode se perder aqui e ali por conta do ritmo demasiadamente lento.
Outro grande destaque fica para a performance de Jeffrey Wright (Westworld), geralmente doce em outras obras, mas aqui vive um pai violento, problemático e que carrega dor e culpa. O ator consegue passar todos os sentimentos em cena com facilidade, além da boa dinâmica com Sanders. Os dois pilares da trama são, de longe, o ponto alto dela, afinal, ainda que direto, o roteiro dá algumas voltas para preencher tempo e a história, em si, não é original. Porém, sua abordagem merece destaque, especialmente quando sabemos o real motivo (e também o maior suspense do filme) que levou o protagonista a cometer tais atos. Dessa forma, é uma história, de um modo geral, sobre ciclos. Sobre como uma decisão, mínima que seja, pode afetar outras vidas, especialmente de crianças e adolescentes. Nessa proposta, o roteiro é bem eficiente, amarra as pontas soltas e termina no passado, revelando o bombástico começo no presente.
Carregado de crítica social, ‘Dias sem Fim’ é forte, denso e uma proposta sombria, sobre a realidade perversa de muitos jovens desfavorecidos. É um filme para ser digerido como reflexão e não como entretenimento, pois esse, não existe aqui. Ainda que o desenvolvimento lento possa cansar, é uma boa obra, sustentada com muita energia pela performance fantástica do elenco. Ashton Sanders é um dos melhores atores de sua geração e aqui isso fica evidente.