Crítica | Feito na América – Tom Cruise imparável em comédia ácida na Netflix

A estética documental em que ‘Feito na América’ (American Made), lançamento em destaque da Netflix, é realizado e seu tom cômico e cínico, dá à obra uma energia extra importante, que é capaz de fazer uma história mirabolante, incrivelmente baseada em fatos, ser contada por uma perspectiva que visa, acima de tudo, entreter, sem se aprofundar nos dilemas ou transformar a presepada em um drama denso. Esse direcionamento de tom tomado pelo diretor Doug Liman (No Limite do Amanhã, Sr. e Sra. Smith) certamente foi o caminho ideal para transportar as loucuras de Barry Seal, um piloto do governo dos Estados Unidos que passa a trabalhar para Pablo Escobar, para as telas sem que se perca por vangloriar em excesso os Estados Unidos, já que, aqui, a crítica ácida ao governo americano é clara e eficiente.

Mas não é de hoje que o tom cômico de Doug Liman funciona quando é somado com a ação, já que o diretor sabe dosar o humor com as cenas acrobáticas com bastante eficiência, ainda mais quando o outro pilar de sustentação da trama é o astro Tom Cruise (Missão Impossível) e seu carisma. Aqui, faz um personagem canastrão, cínico e dá mais espaço e liberdade para desenvolver o humor físico. Ainda assim, consegue segurar como protagonista sem grandes feitos, diverte, mas poderia ter sido mais bem aproveitado em sequências de ação, que é seu forte. Como o roteiro não busca transformar a trama em um longa de ação, a direção e a montagem utilizam cortes secos para criar um ritmo acelerado, que colabora para a já citada estética oitentista documental, com o uso de câmera na mão, quebra de eixos e uma passagem de tempo indefinida.

Com a união de todos esses elementos, a narrativa é envolvente e, ao menos por boa parte da história, prende a atenção, principalmente pela construção de expectativa da direção e pela personalidade imparável do protagonista, que aceita trabalhar tanto para o governo quanto para os criminosos. Porém, mesmo com um ritmo apressado e muita história sendo enxugada para caber nas quase duas horas de filme, a trama começa a dar voltas em torno de si em determinado momento e se arrasta por um tempo. Uma barriga que provoca certo cansaço no espectador, que já consegue adivinhar os rumos da história e, sem grandes surpresas ou reviravoltas, entrega exatamente o esperado. Assim como faltam cenas de ação boas, também faltam conflitos sérios, ou talvez os existentes fossem trabalhados com maior sensação de perigo e não tanto com humor, algo que faria o desfecho sombrio do protagonista ter mais impacto, ainda que fique claro que a direção e o roteiro não querem que o espectador se aperfeiçoe por ele, mas sim, acompanhe sua trajetória ousada e destemida.

Como um filme biográfico de uma figura controversa, falta substância e isso talvez justifique ser um filme de comédia e não um drama, já que o diretor utiliza o humor para criar as situações absurdas que a história exige. Já a crítica social que há nas camadas mais profundas, dá pinceladas na ambição e no consumismo desenfreado do norte-americano e na forma como os Estados Unidos está ao lado do que lhe convém, porém, não deixa de estereotipar e colocar para burro os países latinos, ainda que faça de forma cômica, para a piada soar mais sutil. Por outro lado, não deixa claro quem é o mocinho e o vilão e cria uma boa dualidade entre todos os personagens, desde o misterioso agente do governo, vivido por Domhnall Gleeson (Star Wars), até mesmo o impiedoso Pablo Escobar, vivido pelo ator Mauricio Mejía.

Com isso, ‘Feito na América’ acerta no ritmo frenético de sua narrativa e no humor ácido, sobre uma figura controversa demais para merecer um drama biográfico convencional. Além disso, Tom Cruise, ainda que mal aproveitado na ação, esbanja seu tradicional carisma e se arrisca na comédia. Um filme ágil, dinâmico e divertido, que liga o motor do avião e só para quando a gasolina acaba.

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