Antes de mais nada, vale ressaltar que ‘O Legado nos Ossos’ (Legado en los huesos), novo thriller espanhol da Netflix, é uma sequência direta de ‘O Guardião Invisível’ (2017), também disponível no catálogo da gigante do streaming. Essa informação é importante, pois muitos espectadores nem mesmo sabem que o longa pertence a uma trilogia. Além do mais, isso acaba “justificando” sua falta de ritmo e de ausência de começo e final, algo que acontece bastante em filmes do meio de uma saga maior. A sensação é de que a trama já se inicia sem grande introdução dos personagens e caminha como se fosse ideal dispensar apresentações. Por um lado, é um episódio mais enérgico que o anterior (em partes), mas também é um capítulo que anda em círculos, sem seguir em frente e se mantendo seguro no “mais do mesmo”.
A trama é adaptada dos livros da autora Dolores Redondo e compõe parte da chamada ‘A Trilogia de Báztan’, que segue a jornada da inspetora Amaia Salazar (Marta Etura), que está atualmente grávida e passando por um período mais tranquilo em sua vida após resolver uma série de assassinatos no filme anterior. Entretanto, tudo muda rapidamente quando ela precisa retornar ao mundo das investigações após Jason Medina, responsável pelos crimes solucionados por Amaia, incluindo a morte da sua enteada, é encontrado morto. Tendo essa premissa investigativa como base, o roteiro desenvolve uma atmosfera interessante de mistérios que, ainda que traga algumas pequenas novidades, não se afasta do contexto do filme anterior, seja isso bom ou não.
O ritmo da narrativa, guiado por Fernando González Molina (também diretor do 1º filme) certamente é que incomoda mais, a trama caminha demasiadamente lenta e passa mais tempo construindo terreno para algo que pode vir a seguir do que, de fato, desenvolvendo seus personagens ou mesmo saindo da zona de conforto. É feijão com arroz total, tanto o drama familiar da personagem atarefada, sem poder dar atenção para a família, quanto o rumo da investigação, que replica sem medo inúmeros filmes com a mesma temática, algo que o torna tristemente previsível. A barriga no segundo ato parece durar uma eternidade para avançar e, quando chega no desfecho, o cansaço já está estabelecido e é difícil se envolver novamente. Algo similar acontece com outro filme espanhol recente, o ‘O Silêncio da Cidade Branca’, que também tenta desesperadamente emplacar uma franquia, mas que perde força antes mesmo que possa se destacar.
O elenco também não contribui para a imersão, já que, fora a atriz Marta Etura, que vive a protagonista, praticamente todos podem ser facilmente descartados sem que façam falta para a trama, inclusive, o ótimo ator Leonardo Sbaraglia (Dor e Glória). Etura, ainda que dê o seu melhor e mostre uma evolução dramática boa em relação ao filme anterior, vive uma personagem estereotipada, a clássica investigadora imparável e nada muito além disso. Felizmente, esse capítulo até consegue mergulhar em seu passado e traz algumas novidades sobre ela, que mais servem para abrir as portas para o terceiro (e último) filme, denominado ‘Ofrenda a la Tormenta’, do que para agregar à trama atual. Esse desequilíbrio pesa, se por um lado o roteiro aprofunda detalhes interessantes, por outro, parece correr para apresentar mistério atrás de mistério sem que haja respostas convincentes, se tornando apenas um emaranhado de confusão. Sem contar que faltam boas cenas de ação e perseguição, que servem para dar energia para esse tipo de proposta policial.
Com isso, ‘Legado nos Ossos’ sofre pela síndrome do filme do meio de uma trilogia, ou seja, começa sem introdução e termina sem final. E para piorar, o miolo é puramente zona de conforto. Falta nuances e conflitos, falta energia para se manter vivo por intermináveis 2 horas e falta também um pouco mais de ousadia da direção, em brincar com o gênero e suas vertentes misteriosas. Se a história algum momento foi promissora, certamente funciona melhor nos livros e já desacelera antes mesmo de chegar ao seu clímax.