A mensagem de ‘Notas de Rebeldia’ (Uncorked), novo drama da Netflix, é bem clara e coerente: mostrar pessoas negras ocupando todos os espaços e não apenas os lugares onde a sociedade racista espera que elas ocupem. Com essa proposta de mesclar dois mundos diferentes, com o tradicionalismo da comunidade negra no interior dos Estados Unidos e o sofisticado, rico e branco universo dos consumidores de vinhos, o roteiro desenvolve a trama de um jovem de classe média, que vive os sonhos dos pais, mas que deseja ser um sommelier de sucesso e, por conta de suas dificuldades, precisa lutar duas vezes mais para realizar seus próprios sonhos. Com isso, a proposta é diferente, criativa e promissora, porém, se perde dentro dos inúmeros problemas da realização.
Desses problemas, a direção de Prentice Penny talvez seja o maior de todos. Em sua condução há boas iniciativas, que mostram a visão particular e o apreço que o diretor tem pela história que também escreveu. No entanto, sua liderança na narrativa é falha, apesar do ritmo do longa ser bom e dinâmico (graças a trilha sonora e a montagem), há diversas lacunas que deixam a trama mais rasa e, com isso, menos impactante. O humor é forçado e algumas piadas definitivamente não decolam, sendo essas até mesmo com conteúdo machista e que reforça a competição entre as mulheres, ou seja, se acerta por um lado em mostrar recortes da comunidade negra e as lutas diárias, acaba deslizando por outro, por corroborar com estereótipos. Ainda assim, há momentos de diversão, definitivamente melhores que os dramáticos. Outro enorme desequilíbrio do roteiro.
A construção do drama, assim como o desenvolvimento dos personagens, é bem ineficiente. Cenas que mereciam mais intensidade e uma carga dramática maior, são apressadas e superficiais (como a morte de uma tal personagem importante, que não surte quase efeito nenhum), já outras, possuem tempo demais e não dão em lugar algum. O protagonista, por sua vez, é o terceiro pilar desses problemas. Mamoudou Athie (Ameaça Profunda), ainda que bom ator, se mostra limitado quando precisa segurar sozinho uma história, especialmente em cenas mais emotivas, e o personagem, ainda que seja desenvolvido para que possamos sentir empatia e afeição, possui atitudes que o afasta levemente dessa comoção, como a forma como trata sua namorada e a frieza após um certo acontecimento o fazer “desistir” do seu curso em Paris, por exemplo. O relacionamento difícil com seu pai, vivido pelo ótimo Courtney B. Vance (American Crime Story), também fracassa na intensidade, mais por conta da falta de química entre os dois atores do que por qualquer outra coisa. Os demais personagens, incluindo o grupo de amigos do protagonista, servem para absolutamente nada além de engordar a trama.
Retornando a mensagem que habita por trás do roteiro, o diretor tem cuidado em desenvolver os conflitos e mostrar o racismo estrutural de forma bem clara e didática. E acerta por não transformar a história em um drama racial denso, mas sim, uma história de um sonhador, que vive no mundo onde o racismo e o preconceito existem em diversas profissões, sendo que o maior desafio para ele não é ser negro em um lugar majoritariamente branco, isso o roteiro naturaliza (o que é o certo a se fazer), mas sim, seu pai tradicionalista, que não consegue ver futuro para o filho senão trabalhando no negócio da família. Essa proposta quebra estereótipos e se diferencia de outros dramas focados apenas em comover o público. Ainda assim, sendo eu um homem branco, pouco poderia descrever a forma como a história atingirá quem já viveu tais situações, apenas foco na construção da narrativa.
Dessa forma, ‘Notas de Rebeldia’ mistura mundos diferentes para destruir barreiras sociais. É astuto em sua mensagem e quebra estereótipos, porém, se perde na realização, muito por conta de uma direção desequilibrada e um protagonista que, apesar de dar o seu melhor, não caminha bem entre o drama e o humor como deveria. Ainda que possa divertir enquanto educa o público, sem apelar para muita comoção ou densidade, tem uma premissa muito maior, mais interessante e valiosa do que podemos ver na prática. Um pouco mais de atenção aos detalhes e sensibilidade na construção do drama fariam toda a diferença na transformação dessa história comovente para um filme igualmente singular.