O cinema de horror talvez seja a maior vítima de falta de entusiasmo dos realizadores em replicar fórmulas, já utilizadas à exaustão, na tentativa de fazer o público ter experiências parecidas em filmes diferentes. Essa quimera absurda de subgêneros faz nascer “obras” que, de tão toscas e pretensiosas, acabam se perdendo dentro de sua própria proposta, como o desastroso terror espanhol da Netflix ‘A Marca do Demônio’ (La Marca del Demonio), um exemplo perfeito, de 1 hora e 20 minutos, do que não se fazer ao realizar um filme de terror.
O nível de qualidade é tão baixo, que se torna realmente difícil encontrar uma justificativa para que esse filme possa existir, de fato. Se pegarmos o roteiro, o esqueleto do projeto, temos uma batida amarga de diversos clichês do gênero, jogados no liquidificador de qualquer jeito e triturados até descer garganta abaixo do espectador, sem surtir efeito nenhum. O que é para assustar, provoca riso, o que é para ser “divertido”, é constrangedor, ou seja, definitivamente a estrutura da trama é péssima, certamente para igualar com as atuações dolorosas do elenco, que mais parece ter sido escolhido a dedo no banco de atores descartados das novelas mexicanas. Dessa forma, se o roteiro não quer dizer nada e o elenco não entrega emoção alguma, talvez a direção possa remendar os pedaços e salvar a história, certo? Errado. A direção de Diego Cohen (Romina) dá uma aula de como não enquadrar atores e como fazer cenas de “ação” picotadas, confusas e sem pé nem cabeça.
Se o começo da narrativa até coloca aquela pulga atrás da orelha com planos bonitos, feitos com a ajuda de drones, e uma criança endiabrada sinistra, logo se perde por completa quando a história avança 30 anos no tempo e mostra uma família completamente perdida dentro da proposta do filme. Seja pelo elenco não saber, de fato, conduzir a intensidade de seus personagens rasos e insossos, ou mesmo pelo roteiro, que acredita plenamente que o público vai comprar com facilidade personagens como o tal padre viciado em drogas, que mais parece um ator seguindo os estereótipos de como é ser um padre, e o aprendiz esquisitão que se acha o próprio John Constantine do camelô. A parte técnica, tal como a direção de fotografia, os cenários e efeitos especiais então, é só ladeira abaixo rumo a falta de orçamento. Não que pouco dinheiro possa justificar tantas monstruosidades, afinal, filmes como ‘A Bruxa de Blair’, por exemplo, fez muito com o pouco que tinha, ou seja, é realmente culpa de uma produção desesperada, uma direção perdida e um roteiro genérico, que quer tanto ser ‘O Exorcista’ e/ou ‘A Morte do Demônio’ quando não consegue nem mesmo ser um projeto bem acabado de faculdade de cinema.
Os sustos, se é que posso chamar de “sustos” as cenas em que os personagens mudam a lente de contato para preta e pulam na frente da câmera, são vergonhosos, assim como a construção sem nexo de suspense, que se dissipa rapidamente quando alguém não consegue entregar o mínimo de emoção e carisma nas falas forçadas, especialmente as jovens Nicolasa Ortíz Monasterio e Arantza Ruiz. Personagens chatas, irritantes e sem nenhuma profundidade que, principalmente no clímax confuso, mal dirigido e montado de qualquer jeito, nunca conseguem chegar no ápice de seus papeis. Já o desfecho previsível, é tosco como toda a construção da história até então, sem nenhuma surpresa. Porém, com o alívio que a tortura finalmente chegou ao fim.
Com isso, ‘A Marca do Demônio’ é tão absurdamente terrível, que faz imersão inversa, já que o espectador tem vontade de parar de assistir por conta de uma direção desconjuntada, um roteiro batido no liquidificador e personagens que provocam riso no lugar de medo. Absolutamente nada se salva nesse banquete desastroso de bizarrices cinematográficas e decisões ruins por parte da produção. Com facilidade, um dos piores filmes de terror dos últimos anos, e olha que a competição é grande. O único e verdadeiro medo é de nunca mais ter de volta o tempo desperdiçado assistindo esse filme na Netflix.