O cinema espanhol sabe muito bem trabalhar o suspense e a Netflix, compreendendo o que seu público alvo consome, tem trazido cada vez mais filmes do gênero para seu catálogo. Essa demanda nos presenteou com ótimas obras como ‘O Poço’, ‘Um Contratempo’ e agora o recente ‘A Casa’ (Hogar), cuja premissa se aproxima muito do premiado ‘Parasita’, ao mostrar a vida de um publicitário desempregado que começa a perseguir os novos moradores da sua antiga casa com segundas intenções. O longa, além de saber trabalhar a construção do suspense, ainda surpreende ao colocar o antagonista como protagonista, nos fazendo acompanhar suas artimanhas na tentativa de ser rico e bem sucedido novamente.
O roteiro é simples e eficiente em sua premissa de mostrar situações tensas, em que um estranho adentra a casa de uma família aparentemente boa e começa a modificar pequenos detalhes a fim de fazê-los desestruturar. Apesar de atuações excelentes, em especial, de Javier Gutiérrez (Assassin’s Creed – O Filme), que vive o protagonista manipulador e perigoso, e de Mario Casas (Um Contratempo), é a forma como a dupla de diretores David Pastor e Àlex Pastor conduzem a narrativa intrigante, que faz a diferença no envolvimento com o público. A sensação de que o personagem será descoberto a qualquer momento provoca aflição e ansiedade, sentimentos esses perfeitos para se manter um suspense intacto até o desfecho. Aliás, a trama começa lenta e desenvolve seus personagens sem pressa, mas quando toma forma, caminha intensamente.
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Desde o começo, percebemos que há desvios no caráter do protagonista e que sua busca capitalista por uma vida ideal, como a vida dos comerciais de margarina que costumava fazer, iria levá-lo ao limite. De forma assertiva, o personagem que nos conduz pela história se transforma em uma espécie de anti-herói e, em seguida, em um vilão psicopata e sem escrúpulos, capaz até de matar para chegar onde deseja. Essa subversão, quando bem realizada, é fantástica e geralmente entrega bons filmes, como ‘Psicopata Americano’ e até mesmo o já citado ‘Parasita’, sendo que esse último mostra dois pontos de vistas diferentes, de classes socais opostas, e ambos são igualmente questionáveis. Javier certamente é um “parasita”, que se infiltra na vida dos outros para usufruir de seus benefícios. Referencias à parte, o personagem, assim como a premissa, encontra espaço para questionar os “workaholic”, a ambição e a falsa sensação de conforto que surge através da ideologia de “sonhe mais alto”.
No entanto, ainda que a maior parte da trama consiga segurar um bom suspense, há partes do roteiro que são desenvolvidas sem muito cuidado e apenas para entregar situações conflitantes para a jornada do protagonista, como por exemplo, o zelador creepy do prédio, que faz chantagem com ele em troca de ganhos bizarros. Ainda que esse conflito seja interessante, é injustificável, afinal, quando se encontram pela primeira vez, ele poderia facilmente ter dito que estava visitando um amigo no prédio e encerrado, por completa, a desconfiança do zelador. Além disso, algumas resoluções são forçadas e o desfecho se torna cada vez mais óbvio, sem grandes novidades ou reviravoltas que poderiam fazer desse, de fato, um ‘Parasita’ espanhol.
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Dessa forma, ‘A Casa’ chega sem fazer muito barulho na Netflix e, assim como ‘O Poço’, entrega um suspense intenso e que ainda nos faz refletir sobre aspectos questionáveis da sociedade. Do ponto de vista do ótimo vilão, somos levados por uma jornada intrigante de inveja, manipulação e assassinato, que nos mantém vidrados do começo ao fim, mesmo que tenha poucas reviravoltas. É o cinema espanhol mais uma vez sendo absolutamente triunfante ao desenvolver histórias de suspense que atingem o público com eficiência.