Crítica | Vida – Suspense disponível na Netflix de roer as unhas

É preciso um bom roteiro para reinventar os filmes espaciais que, desde ‘Alien, o Oitavo Passageiro’, já apresentaram todos os artifícios na tentativa de desenvolver um terror através do desconhecido. Seja com uma criatura assustadora ou mesmo a luta para sobreviver com as dificuldades do espaço, o gênero é bem sucedido na tensão, mas faz tempo que não agrega novidade e relevância. Talvez por conta disso que ‘Vida’ (Life), seja satisfatório pela simplicidade, mas não deixa de ser genérico pela abordagem que bebe da fonte de tantos outros filmes. Sua trama é tão usual, que poderia ter ligação com outras histórias, como a origem do simbionte de ‘Venom’ ou mesmo um filme de origem para a franquia ‘Cloverfield’, que aliás, teve seu terceiro (O Paradoxo Cloverfield) sendo desenvolvido da mesma proposta. Uma coisa é certa: ainda que mais do mesmo, o suspense consegue elevar o nível de tensão com vigor, e isso já mostra que, pelo menos, aprendeu direitinho como replicar a fórmula.

Na trama, seis astronautas estão em uma estação espacial cujo objetivo maior é estudar amostras coletadas no solo de Marte por um satélite. Dentre elas está um ser unicelular, despertado através dos equipamentos da própria estação espacial. Tal descoberta é intensamente celebrada por ser a primeira forma de vida encontrada fora da Terra. Porém, de forma bem apressada, o ser descoberto começa a se desenvolver, ganha força e se transforma em uma ameaça inigualável para humanidade. Dessa premissa se desenvolve uma dinâmica interessante, em que os personagens precisam fugir e tentar matar a criatura antes que ela possa, de alguma forma, ir parar na Terra. Simples assim e sem grandes pretensões, a narrativa se prende a um bom suspense e situações claustrofóbicas para manter o espectador vidrado.

O elenco estelar mostra que, ainda que em sua fase inicial, o projeto era mais pretensioso e certamente tinha como objetivo desenvolver uma franquia de terror ao nível ‘Alien’, porém, o fracasso comercial e de crítica de filmes como ‘Alien: Covenant’, que lançou no mesmo ano, e ‘Passageiros’, desanimou a produção, que optou por reduzir gastos e focar no suspense de forma contida. Esse desequilíbrio afeta o roteiro, que se torno o elo mais fraco da produção. O excesso de personagem rasos, ainda que sejam interpretados por bons atores como Ryan Reynolds (Detetive Pikachu), Jake Gyllenhaal (O Abutre) e Rebecca Ferguson (Doutor Sono), mostra a fragilidade da história, que não se aprofunda em absolutamente nada e utiliza todas as suas energias para mostrar que, diferente de outras ficções científicas fantasiosas, essa pode ser plausível. É texto demais, explicações demais na tentativa de convencer o espectador, que apenas embarcou na jornada para ver o caos acontecer e pouco se importa com a veracidade das situações.

Ainda por conta dessa falta de equilíbrio, os momentos dramáticos e emocionais se estendem demais e a ação, até bem dirigida por Daniel Espinosa (Morbius), com planos sequências e enquadramentos que aproveitam a gravidade zero para ousar, acaba sendo corrida. Mesmo assim, o diretor consegue dosar a intensidade do suspense e, de forma crescente, aumenta o nível de ameaça conforme a criatura se desenvolve e ganha novas habilidades. Tanto os efeitos especiais, impecáveis, quanto a direção de arte são condizentes com a proposta e ajudam na imersão, assim como a trilha sonora enérgica, que também aumenta sua intensidade conforme a trama se torna mais assustadora. Dessa forma, a parte técnica e a construção de suspense fazem jus a fonte que beberam e fica apenas a estabilidade entre o drama e o terror como elemento negativo.

Com isso, ‘Vida’ tem uma história tão genérica, que poderia ser o filme de origem de inúmeras franquias, porém, a direção é assertiva na construção do suspense e entrega um desfecho realmente surpreendente. O elenco estelar é mal aproveitado, assim como o potencial destrutivo de sua criatura, mas sua narrativa enérgica envolve, provoca agonia e ainda entrega ótimas sequências de tirar o fôlego. Um pouco mais de ousadia e originalidade não teriam feito mal ao roteiro, mas tendo em vista tantas outras ficções científicas que não decolam, essa vai até Marte com bastante potência.

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