Crítica | ‘A Maldição do Espelho’ é um forte candidato a pior terror do ano

É fundamental entender a importância da construção de atmosfera para um filme que se propõe a ser do gênero de terror, para compreender os motivos pelos quais ‘A Maldição do Espelho’ (Pikovaya dama: Zazerkalye) fracassa tão absurdamente nesse aspecto, assim como seus outros irmãos russos ‘A Noiva’ e ‘A Sereia’, que de tão mal realizados, dão a volta se tornam obras interessantes para estudos sobre o que não fazer quando for fazer um filme. Se pegarmos suspense O Homem Invisível’ (2020), por exemplo, fica notório como o diretor consegue influenciar nossas emoções apenas mostrando em tela um lugar tecnicamente vazio. E como se faz isso? Com a construção de atmosfera. A ambientação, junto com a trilha sonora e o aumento gradativo do suspense são elementos responsáveis por manter nosso envolvimento com a obra e elevar nossa tensão a fim de que possamos suspender a descrença e mergulhar de cabeça na proposta do filme, seja ela qual for.

A ausência de qualquer elemento que faça o roteiro extremamente fraco e improvável ser minimamente envolvente, é o grande erro desse (e dos outros!) terror russo, que chega ao Brasil dublado em inglês, outro tiro no pé, já que a falta do som ambiente do idioma original e a péssima dublagem, auxiliam ainda mais para que o potencial de absorção seja reduzido a quase zero, não que a trama não faça isso por si só. O começo clichê e sem ânimo, se torna uma tempestade de previsibilidade conforme a história avança e, ao melhor estilo ‘A Maldição da Chorona’, apresenta sua vilã, denominada Rainha de Espadas, sem pé nem cabeça (com o visual retirado diretamente de ‘A Noiva’), que apenas existe coincidentemente no internato onde os personagens estão e sua presença amaldiçoada vai atrás de um a um dos jovens por terem invocado seu espírito raivoso.

Já que “quanto menos perguntar, melhor”, a história caminha do previsível para lugar algum e foca apenas em apresentar personagens que seguem à risca cada um dos estereótipos dos filmes de terror. A protagonista retraída, o nerd que se torna uma enciclopédia sobre a fantasma absolutamente do nada, a amiga rebelde, o bonitão burro, a menina acima do peso que é chacota da turma e a criança sem carisma que só serve para gritar. Dessa forma, a turminha descobre que, ao invocar a morta de frente para um espelho no porão, podem fazer um pedido qualquer. E, a partir daí, que seus maiores desejos se tornam pesadelos, ou se tornaria, se a até boa proposta soubesse ter sido aproveitada pela direção do inexperiente Aleksandr Domogarov Jr., que se perde dentro de sua própria ambição de fazer um terror popular apenas replicando cada elemento que já foi utilizado a exaustão em tantos outros filmes.

Com a motivação da vilã sendo insossa, rasa e superficial e os jovens que guiam a trama sendo vítimas da falta de originalidade do roteiro, são os sustos que entram em holofote e, a grande maioria fracassa, salvos por um ou outro momento em que a confusão das cenas no escuro podem gerar desconforto. Nem mesmo nisso a direção destrambelhada consegue ser eficaz, já que jump scare em excesso é comum, mas errar o seu uso é novidade. As cenas onde a tensão está mais elevada prometem demais e entregam de menos, assim como as aparições da tal fantasma/bruxa/lenda urbana, sempre através de algum reflexo. Elemento interessante, que constrói mistério sobre seu visual, mas que também não faz nenhuma diferença para o contexto. Aliás, bota falta de contexto nessa trama. As mortes são desanimadoras, as subtramas encaixam personagens que não servem para nada (como a diretora da escola), a narrativa caminha lenta e logo se apressa desesperadamente para o desfecho com o tal “mundo através do espelho” que, além de ser difícil trabalhar nossa suspensão da descrença devido a tamanha falta de credibilidade, ainda quebra suas próprias regras estabelecidas, ou seja, um verdadeiro caos.

E se o terror não cumpre sua função básica de gerar medo, imagina então quando o roteiro ousa fazer humor a qualquer custo, se apoiando em piadas patéticas e gordofóbicas no intuito de ter um alívio cômico, algo que nem necessidade teria, afinal, não há tensão para que se tenha repouso. O que nos leva a sentir falta de uma trilha pontual ou mesmo de uma direção de fotografia marcante, elementos que são deixados de lado grande parte da narrativa e que, sem eles, é realmente complicado embarcar sem que o tédio seja nosso copiloto durante toda a jornada que, por sorte, é curta, já que a duração do filme é menor que o convencional, mas a sensação de estar se arrastando com a história dura uma eternidade.

Com isso, ao menos em uma coisa ‘A Maldição do Espelho’ é bem-sucedido: ser um dos piores filmes de terror do ano, já que fracassa em absolutamente todo o resto que se propõe e entrega uma trama insossa, genérica e desequilibrada, puro reflexo de uma direção inexperiente e de um roteiro que, de tão ruim, dá a volta e se torna uma opção divertida para assistir sem qualquer tipo de envolvimento. Com o horror encontrando formas para sobreviver e se reinventar nos dias de hoje, filmes como esse servem apenas para desgastar, ainda mais, o gênero, já que se abstraem de qualquer possibilidade de fazer algo novo em prol de entregar a mesma fórmula covarde de sempre, que não tem nada a dizer e nem medo ou susto provoca mais.

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