Crítica | ‘Troco em Dobro’ tem trama rasa e de humor superficial

Em determinado momento de ‘Troco em Dobro’ (Spenser Confidential), uma personagem compara a dinâmica da história com a dos quadrinhos do Batman, ressaltando a mesma estratégia usada nas histórias do Homem-Morcego. Essa referência, ainda que cômica, por conta do roteiro se autossabotar, prova quão genérica é a trama do filme policial estrelado por Mark Wahlberg (Ted), que não passa de uma tentativa frustrada de ser um novo ‘Máquina Mortífera’. De tanto tentar, desesperadamente, agradar ao público alvo masculino, que é vidrado em ação, tiroteio e luta, se perde por completo quando precisa desenvolver uma premissa batida e sem ânimo por quase 2 horas. E põe sem ânimo nisso.

Já clássico do cinema, o típico filme de dupla policial que age por conta própria para deter os bandidos tem sido explorado à exaustão e poucos, de fato, agregam alguma novidade que seja ao subgênero. Com roteiros mirabolantes e muitas vezes repletos de furos, já que o foco é a ação desenfreada, as histórias são cada vez mais vazias e seguem o modelo “quanto menos perguntar, melhor”. Nesses aspectos, o longa, dirigido por Peter Berg (22 Milhas) é plenamente satisfatório. A trama se desenvolve em torno de Spenser (Mark Wahlberg), um ex-policial durão que acaba de sair da prisão e se vê obrigado a ajudar seu antigo treinador de boxe Henry (Alan Arkin). No entanto, quando dois ex-colegas de Spenser são assassinados, ele recruta Hawk (Winston Duke), um lutador de MMA, para ajudá-lo a investigar e levar os culpados à justiça.

Dessa premissa extremamente sem criatividade, nasce uma obra tão sem inspiração quanto o trabalho do diretor na tentativa de entregar algo minimamente novo, já que reforça estereótipos, replica planos e sequências de ação de outras obras similares e apresenta uma narrativa apressada, cansativa e repleta de cenas inúteis, que em nada movem a história para frente (como a infame cena do ataque do cachorro, por exemplo). Essa falta de energia não é de agora, já que Berg trabalhou com Wahlberg em pelo menos outros quatro filmes do mesmo gênero, que são igualmente desequilibrados. Ou seja, a sintonia entre o diretor e ator talvez só funcione na teoria, já que Wahlberg reproduz o mesmo personagem engessado e sem carisma que já está acostumado a fazer, só que dessa vez, tendo Winston Duke (Nós) como parceiro de cena. Além de não existir química entre eles, algo que dificulta e muito nosso envolvimento, ambos estão no piloto automático sem rumo em direção ao desinteresse. Fora isso, ainda há espaço para uma participação forçadíssima do cantor Post Malone, visivelmente dando tudo de si em um papel inútil, que não tem nem cinco minutos de tela.

O aglomerado de mais do mesmo ainda tenta desenvolver um humor extraído da convivência entre os dois personagens principais, que são opostos e precisam trabalhar juntos só porque o roteiro quer assim, outra decisão dramática que sai pela culatra, já que a comédia é fraca, forçada e não alimenta nosso entusiasmo. Ainda que Hollywood force essa barra, Wahlberg não tem timing cômico o suficiente para segurar uma comédia nas costas e os demais do elenco não possuem destaque o suficiente para que haja alguma notoriedade. Porém, as cenas de ação, ainda que mal filmadas e com excesso de cortes, são bem coreografadas e seguem o padrão desse tipo de obra e, apenas isso, mostra que, certamente, o projeto um dia desejou ser melhor, até desandar por completo.

Tamanha é a falta de coragem de utilizar a violência gráfica a seu favor e de cuidado para desenvolver personagens com profundidade, que nem mesmo o confronto final entre o mocinho e “vilão” (Bokeem Woodbine) surte impacto, já que o roteiro, mais uma vez, segue um caminho superficial, que favorece a ação e, ao invés de cumprir a justiça que tanto busca, o protagonista larga sua arma para poder então lutar com seu adversário na tentativa de fazê-lo “aprender uma lição” e forçar um anti-heroísmo que não se encaixa e não foi antecipado por suas ações ao longo da trama. A bagunça se estabelece exatamente por conta dessa falta de conexão entre a personalidade do protagonista e o público.

Com isso, borbulhando testosterona até a borda, ‘Troco em Dobro’ entrega exatamente o que se propõe: ser um filme raso, sem ápices dramáticos e com humor superficial para preencher o catálogo da Netflix ao lado de ‘Esquadrão 6’. Mark Wahlberg pode até ser o astro da ação mirabolante, mas certamente não é o da comédia e muito menos o que sabe carregar uma trama sem baixar o nível de qualidade. Como entretenimento sem envolvimento emocional, pode funcionar por pelo menos uma hora de filme, mas como uma obra policial que poderia agregar novidade, é um completo desperdício de tão fundo que despenca no abismo do esquecimento.

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