Crítica | ‘O Grito’ se afasta do terror oriental e perde sua essência

Era questão de tempo até que a nova leva de reboots e remakes atingisse também uma das franquias de terror mais conhecidas dentro e fora dos EUA, como é ‘O Grito’ (The Grudge). Ainda que essa nova tendência do cinema tenha a preocupação de não ignorar a existência dos filmes originais, mas sim continuar eventos e modernizar abordagens, como aconteceu com ‘Halloween’ e ‘O Exterminador do Futuro’, é difícil não sentir o desgaste de alguns gêneros e a dificuldade que Hollywood tem para desenvolver histórias originais, como ‘Um Lugar Silencioso’, por exemplo. Esses produtos, mesmo que criativos às vezes, nada mais são que os antigos, já fora da validade e/ou datados com o passar dos anos, que são embalados com um novo rótulo chamativo e relançados seguindo a exata mesma fórmula que um dia foi sucesso. O público jovem certamente se diverte, mas os fãs de longa data são mais difíceis de agradar e esse excesso de preocupação é o que também transforma roteiros que poderiam ser renovados, em verdadeiros “frankensteins”.

Dito isso, é preciso entender que o novo ‘O Grito’, novamente produzido por Sam Raimi (A Morte do Demônio), também não é um reboot da franquia e não ignora a existência dela, já que se passa na mesma data/universo do original, em 2004, na verdade, o roteiro até consegue variar e divide o longa em três núcleos, que se passam em três anos diferentes, mas todos interligados através da investigação da detetive Muldoon (Andrea Riseborough), que se envolve no caso da tal casa assombrada e precisa correr contra o tempo para se livrar de um espírito maligno todo trabalhado no ódio e rancor, uma versão americanizada e menos pálida da temida Kayako (Takako Fuji). Essa estrutura não-linear da trama não se poder dizer que é original, mas é mais sofisticada que outros filmes que nem ao menos tentam brincar com as possibilidades narrativas, de fato, um ponto positivo.

Ainda que sua introdução seja no Japão e o clima do clássico mostre levemente a cara, a trama dessa vez se passa quase que totalmente nos EUA, após uma personagem “contrair” a maldição e trazer consigo para o Ocidente. A nova ambientação tem suas vantagens e familiaridades, mas no geral, se autossabota por “americanizar” demais (e sem necessidade!) elementos importantes da franquia, presentes desde os curtas ‘Ju-on’, que serviram de inspiração para o filme de 2004, ou seja, o terror agora é mais do mesmo e foca na batida história de casa mal assombrada americana. Sai bons fantasmas e entram seres genéricos, frutos de um roteiro completamente sem inspiração e com medo de ousar demais e desagradar os fãs. Aliás, esse medo é visível na direção de Nicolas Pesce (do ótimo The Eyes of My Mother), um bom e promissor diretor, mas que tenta tanto emular o trabalho de Takashi Shimizu que esquece de mostrar algo realmente novo. Ainda assim, ao menos, alguns sustos são bem construídos pela sua direção que, quando toma liberdade criativa, mostra o talento que possui no horror.

É curioso pegar a trama do filme original e perceber que, mesmo após 15 anos, a história não se tornou tão datada e ainda conversa com uma vertente do cinema de horror de hoje. Dessa forma, o novo filme e sua atmosfera de suspense e mistério acabam funcionando bem mais do que se poderia esperar, já que a produção parece estar disposta a amplificar o que deu certo e, com isso, arrisca todas as suas cartas de uma vez só. É tudo ou nada e o filme transpõe esse desequilíbrio. Se por um lado acerta na escolha do novo elenco, definitivamente melhor que Sarah Michelle Gellar e sua atuação limitada, por outro, os desperdiça com o excesso de personagens e subtramas, que corre desesperadamente no terceiro ato para concluir tudo às pressas e ainda deixar um gancho previsível para supostas sequências. Andrea Riseborough (Mandy) tem talento e faz o que pode com o que tem em mãos, John Cho (Buscando…) também agrada, apesar de ser Lin Shaye (Sobrenatural) que rouba a cena, mesmo sempre vivendo papéis parecidos, consegue apavorar sem muito esforço, como poucas atrizes no cinema de horror de hoje.

Um roteiro com altos e baixos na construção dos personagens pode até ser perdoável, mas o longa não compensa na maior virtude da franquia: causar medo e terror. Os sustos, feitos quase que totalmente a base de jump scares previsíveis, são fracos e mal realizados com a ajuda de efeitos especiais em sangue e insetos, algo que tira completamente o espectador da história. As decisões estéticas dos fantasmas não relacionam o filme dentro do universo estabelecido pelos anteriores, a não ser pelo som clássico que produzem nas cenas de sustos, nada nos faz lembrar da atmosfera do original e essa deveria ter sido preservada. Porém, mesmo com tantos pontos negativos no roteiro, não consegue ser chato ou mesmo enjoado, pelo contrário, seu ritmo que vai e volta no tempo acaba provocando tensão e desperta nossa curiosidade.

Dessa forma, ‘O Grito’ até possui uma mudança válida de cenário e acerta em seu elenco bom e uma direção, ainda que com medo de ousar, bem conduzida. Porém, a “americanização” dessa nova trama descaracteriza bastante a franquia, que antes possuía a deliciosa vibe macabra do terror oriental e agora não faz nada além de uma história genérica, previsível e sem inspiração, que se não fosse pelo título na abertura, poderia ser qualquer outro filme meia boca americano sobre uma casa mal assombrada. Ainda assim, se colocarmos as expectativas de lado, o terror não é um fracasso no que se propõe e até possui algumas ideias melhores do que as do original. Não é amargo como se poderia esperar, mas é apenas um produto genérico, fruto da falta de inspiração, na extensa prateleira do mercado de terror atual.

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