Em 1988, Walter McMillian, um homem negro, trabalhador do Estado de Alabama (EUA), foi preso acusado de assassinar uma jovem e condenado a pena de morte devido a lei vigente no lugar. Enquanto a cidade, majoritariamente formada por brancos, celebrava sua condenação, a comunidade negra do local afirmava que McMillian era inocente e que estava em outro lugar na hora do tal crime. Mesmo com a ausência de provas e os protestos dos familiares alegando que ele havia sido condenado injustamente, foi mantido em regime fechado e sua morte, por cadeira elétrica, estava certa. Alguns anos depois, o caso então teve o envolvimento de Bryan Stevenson, um advogado negro, recém-formado em Harvard, que abre mão de uma carreira lucrativa para auxiliar pessoas necessitadas. Juntos, travam uma luta contra o tempo para que a verdade venha à tona antes que seja tarde demais.
As idas e vindas dessa história deu origem ao roteiro de ‘Luta por Justiça’ (Just Mercy), drama baseado em fatos que adapta um dos livros sobre o caso e reacende a discussão sobre a pena de morte nos presídios dos EUA, que atualmente é permitida em 30 dos 50 estados americanos e, assim como todos os dilemas do mundo, afeta, principalmente, os menos favorecidos, podendo também atingir presos injustiçados. Dentro desse debate, o longa recorta momentos da vida dos personagens e coloca Bryan Stevenson (Michael B. Jordan) como protagonista, o que não é para menos, já que, na época, fundou a “Equal Justice Initiative” (Iniciativa pela Justiça Igualitária), um pequeno escritório de advocacia dedicado à defesa daqueles mais necessitados: o pobre, o condenado erroneamente, além de mulheres e crianças reféns do sistema de justiça criminal, ou seja, uma importante figura na luta por igualdade.
Ao apresentar a prisão sem provas de McMillian (Jamie Foxx), a trama caminha para mostrar as estratégias de Stevenson no tribunal e sua jornada corajosa dentro da hipócrita e perigosa cidade governada por brancos. Desde temas como violência policial, escravidão e discriminação por raça e cor, o roteiro toca em assuntos importante dentro de Hollywood, mesmo ao tomar um caminho diferente dos atuais dramas raciais, já que explora muito mais o sistema prisional do que o racismo familiar, sendo uma obra interessante ao lado de outras com uma linguagem mais didática, como ‘O Ódio que Você Semeia’, mas também consegue navegar na intensidade causada pelo desconforto, como em ‘A 13ª Emenda’ e a minissérie ‘Olhos Que Condenam’, por exemplo. Dessa forma, o tom da obra é intenso, emocional e pesado, mas ainda assim funciona como um excelente recorte histórico educativo.
A direção de Destin Daniel Cretton, que foi notado pela Marvel e vai dirigir ‘Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis’, é sensível e sabe valorizar os importantes momentos de silêncio, especialmente em cenas difíceis de digerir, como a da cadeira elétrica, porém, a perspicácia do diretor consegue mostrar a dor e o desespero sem precisar de muito esforço. A direção de elenco também impressiona, já que Michael B. Jordan (Pantera Negra) se prova, mais do que nunca, um dos melhores atores de sua geração. Seu trabalho no longa é puro fenômeno e, com olhares intensos, passa a emoção necessária para que possamos nos colocar em seu lugar. Além disso, Jamie Foxx (Django Livre), sem dúvida, entrega uma das melhores performances de sua carreira em um papel que nasceu para viver. Brie Larson (Capitã Marvel), por sua vez, também se mostra entusiasmada, mas não se destaca.
Com a base, que é roteiro, funcionando adequadamente, a parte técnica do longa desempenha a energia necessária para contar a história da melhor forma. A trilha sonora é pontual, mas trabalha nossa emoção em cenas dramáticas que servem de introdução para momentos mais profundos. O ritmo segue por rotas convencionais, mas desequilibra no 3º ato quando a trama começa a correr mais apressadamente que antes para finalizar a história, dessa forma, avança rapidamente por momentos que mereciam mais tempo de tela, como a cena do final no tribunal, e acaba privilegiando outros no começo, que poderiam ser mais eficazes se fossem cortados. Essa pressa, somada a algumas decisões narrativas poucos ousadas e momentos que falta emoção, acaba pesando negativamente.
De qualquer forma, ‘Luta por Justiça’ é sufocante e brutal quando precisa ser, porém, se trata de uma importante história americana que precisa ser contada e recontada até que nós, como sociedade, possamos compreender as injustiças que cometemos a fim de corrigir e mudar, para sempre, erros do passado. O longa é muito mais que um convencional drama racial que dialoga com o atual momento de Hollywood, mas também se apega a performances sublimes de Michael B. Jordan e Jamie Foxx para colocar em debate temas importantes e promover reflexões. Como diz um dos personagens: “Nós, negros, somos culpados desde o momento em que nascemos…”, e, que dessa forma, através do olhar minucioso do cinema, tenhamos a coragem e empatia de compreender os privilégios e a desigualdade do mundo a fim de mudarmos nossa perspectiva.