O fenômeno criativo que foi ‘Hereditário’, de Ari Aster, para o cinema de horror atual certamente iria influenciar outras obras e na forma como o terror psicológico é trabalhado. Um dos primeiros filmes que nascem após o filme de Aster e que buscam emular a mesma vibe, é ‘O Chalé’, (The Lodge), terror que foge do convencional e desenvolve sua trama tendo como base um claustrofóbico e sombrio cenário, em uma casa isolada, no meio do inverno rigoroso. Porém, antes de mergulhar no tédio, que provoca diversas sensações (boas e ruins), o roteiro gasta tempo demais apresentando seus personagens e tempo de menos realmente entregando algo que possa satisfazer o público.
Não que assustar ou entregar demais da trama seja interessante, afinal, ótimos filmes já provaram que quanto mais subjetivo, melhor um filme de terror pode render discussões e por mais tempo ficar preso em nossas mentes, porém, ‘The Lodge’ perde o equilíbrio entre o drama e o horror e, por um bom tempo, se ausenta de respostas e foca apenas em apresentar personagens, cenários, histórias do passado e por aí vai, caindo na monotonia antes de conquistar a atenção do espectador por completa. A trama acompanha Grace (Riley Keough) em uma viagem de natal com os filhos do seu noivo após a trágica morte da mãe deles. A convivência com as crianças não está sendo fácil e ela, além de precisar lidar com traumas do passado, ainda precisa encontrar uma forma de ter diálogo com eles, enquanto adversidades começam a acontecer no lugar.
No quesito reviravoltas, o roteiro é inteligente e sabe trabalhar com eficiência, ainda que leve tempo demais para entregar suas conclusões. Seu forte está mesmo no aprisionamento dos personagens naquele lugar isolado, lembrando e muito a trama de filmes como ‘O Iluminado’ e ‘O Enigma de Outro Mundo’. Há inúmeros simbolismos escondidos na história, em especial, no primeiro ato, que emula tanto a atmosfera sombria e estranha de ‘Hereditário’, que traz até a casa de bonecas, algo que também pesa negativamente pela falta de originalidade. Apesar disso, o elenco consegue trabalhar bem com o que tem em mãos. Alicia Silverstone (O Sacrifício do Cervo Sagrado) tem um papel menor, o que foi total desperdício, já Riley Keough (Mad Max: Estrada da Fúria) sabe lidar com as nuances de sua personagem e entrega uma atuação surpreendente. No elenco infantil, Lia McHugh (Os Eternos) se esforça mais que Jaeden Lieberher (It: A Coisa) e rouba a atenção.
Mesmo com os desequilíbrios, a direção da dupla Severin Fiala e Veronika Franz (do excelente ‘Boa Noite, Mamãe’) foge dos clichês do gênero e desenvolve uma narrativa inquietante e tensa de um modo geral, sem que haja nenhum jump scare que seja, isso é um mérito enorme. O uso do som e da trilha constante acentuam o clima obscuro e frio, que provoca aflição e medo. Além disso, o suspense é crescente e instiga a curiosidade, já que a sensação de que algo muito terrível vai acontecer permeia desde o momento em que a personagem de Keough tem seu passado revelado, propositalmente antes da viagem para a casa onde a trama se desenrola, influenciando assim nosso julgamento sobre sua personalidade. Felizmente, mesmo sabendo que algo vai acontecer, há surpresas pelos caminhos que levam a trama até seu esperado, porém chocante, final.
‘O Chalé’ consegue ser um terror com qualidade, que apavora sem precisar recorrer a recursos de som e sustos forçados. O mergulho na escuridão da trama apenas necessita uma entrega e, uma vez que sua atenção está na história, dificilmente vai sair dela sem sentir seu coração palpitar de tensão. Certamente, se o ritmo se adiantasse um pouco mais, o efeito seria ainda mais devastador. De um modo geral, é agradável e sombrio, mas quando fica realmente bom, acaba.
Este filme foi assistido na cobertura oficial do Festival do Rio 2019.
‘O Chalé’ será lançado diretamente nas plataformas digitais Apple Store | iTunes, Google Play, Looke, Microsoft Filmes e TV (Xbox), NOW, Oi Play, PlayStation Store, SKY Play e Vivo Play, no dia 22/07/2020.