Crítica | O Traidor – História rica e interessante, mas que falha na execução

Há filmes que são bem melhores em sua ideia do que em sua execução, como é o caso de ‘O Traidor’ (Il Traditore), drama biográfico co-produzido pelo Brasil, que narra a história de Tommaso Buscetta, um dos mafiosos mais relevantes da Itália. De fato, sua vida foi repleta de momentos cinematográficos, mas a pressa do roteiro de abraçar todos os estereótipos de filmes de máfia o torna demasiadamente cansativo e plenamente chato. Mesmo que haja elementos interessantes e promissores, a tentativa de replicar outras obras supera a “homenagem” e passa a pesar negativamente na trama, que perde sua originalidade e se rende ao caos.

Com um roteiro carregado de excessos, a direção de Marco Bellocchio não ajuda em nada a aparar essas sobras, já que apresenta cenas picotadas por todo o primeiro ato do filme. O ritmo da montagem é acelerado e isso influência diretamente na conexão com os personagens, já que há muita história sendo contada simultaneamente. A passagem de tempo é confusa e sem introdução, ou seja, boa parte da trama é apresentada de forma bagunçada, em especial, as cenas que se passam no Brasil. Fora isso, a violência gráfica, tão essencial para esse tipo de filme, até está presente, mas as sequências são tão corridas e caóticas, que acabam não tendo o impacto que deveriam ter, sendo muito mais eficazes para o humor.

O elenco, composto por Pierfrancesco Favino (Rush – No Limite da Emoção) é extenso em diferentes nacionalidades, porém, o protagonista entrega carisma e veracidade e faz o que pode com o roteiro que tem. Pelo menos ele, já que Maria Fernanda Cândido não faz mais do que uma participação e não tem espaço para mostrar seu carisma, entra muda e sai calada. Destaque válido também para Luigi Lo Cascio (O Nome do Filho), que conquista com seu ar cômico. Os demais personagens acabam servindo como distração e a mistura de idiomas (italiano, português, inglês) quebra a conexão sentimental da trama com o público, tornando-o ainda mais desanimado e enjoativo.

Passado o caos inicial, quando a narrativa avança para o momento de julgamento do protagonista, é também quando se torna mais interessante. Seja pelo viés cômico do absurdo ou pelo suspense em saber como aquela história vai se concluir, já que é dessa forma que o protagonista assume o título do filme, o julgamento aprofunda as características de Buscetta e guarda a maior qualidade do texto, é uma pena que venha tão distante na história, quando o cansaço já está estabelecido, e que acabe tão apressadamente.

Se não fosse por algumas boas atuações e uma produção realmente impecável de figurino e direção de arte, ‘O Traidor’ não teria força para vingar. É um filme de máfia, em sua essência, mas havia potencial de sobra para ultrapassar essa barreira de limitação e ser uma obra excepcional de drama, tendo em vista uma história tão rica em detalhes, sobre uma figura controversa, manipuladora e inteligente. É difícil se recuperar do cansaço inicial com o excesso de cortes da montagem, mas vale à pena esperar chegar o tão importante julgamento e se divertir com o humor que o roteiro abraça, infelizmente, muito tarde.

Este filme foi assistido na cobertura oficial do Festival do Rio 2019.

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