Crítica | Honey Boy – Masculinidade tóxica em obra de arte sobre a vida de Shia LaBeouf

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É difícil não ouvir o nome de Shia LaBeouf hoje e não relacionar com as diversas polêmicas que o ator se meteu nos últimos anos. O mundo da fama possui diversas vertentes e inúmeros pontos de vista, que se perdem ao longo do caminho. Então, qual a melhor forma de se redimir do que mostrar ao público, de forma poética, a razão para tanto desajuste? Simples, abrindo sua sessão de terapia ao mundo e entregando uma enorme reflexão em forma de longa-metragem chamado ‘Honey Boy’, com roteiro assinado por LaBeouf, baseado em sua própria vida e jornada no caótico e controverso mundo do show business.

E como se não fosse o suficiente fazer a cinebiografia de si mesmo, o ator também interpreta seu pai no longa, brilhantemente pensado e trabalhado para mostrar todo o efeito que um pai irresponsável pode causar na vida de uma criança. O mergulho frenético na infância de LaBeouf explora a masculinidade tóxica, o excesso de trabalho ainda muito jovem e a exploração da mídia em cima de um astro mirim, já que o ator é tratado apenas como objeto pelos estúdios. No primeiro plano do filme, vemos o excelente ator Lucas Hedges (Boy Erased), que vive a versão adulta e cinematográfica de LaBeouf, preso em cabos tendo que repetir uma cena de ação exaustivas vezes. Pelo som no fundo e o cenário, claramente se refere à franquia ‘Transformers’, que colocou LaBeouf no estrelato, mas que, evidentemente, esgotou todas as suas energias e sugou seu potencial. A inteligência do roteiro não o coloca como vítima, mas sim, se aprofunda na alma que dá vida ao filme: Hollywood vê seus astros como mercadorias.

A crítica ácida ao sistema hollywoodiano é trabalhada com perfeição e as camadas profundas da trama revelam a realidade nua e crua de muitos atores e atrizes que possuem fama e dinheiro, mas que, por dentro, estão devastados. A direção de Alma Har’el (Bombay Beach) é exuberante, delicada e certeira na mensagem que a trama deseja passar, sendo simples quando precisa de leveza e elaborada quando se torna intensa. E claro, a parte técnica acompanha a qualidade e entrega uma excelente direção de fotografia e montagem. Além disso, LaBeouf, que vive um ex-palhaço de rodeio amargurado, com histórico de vício em drogas e abuso sexual, sem dúvida exerce seu melhor papel até então, porém, é o jovem Noah Jupe (Um Lugar Silencioso) que rouba a cena, com uma interpretação digna de aplausos.

O drama é emocional e intenso ao lidar diretamente com a influência que nossos pais têm em nossas vidas e como suas decisões afetam nosso futuro. Otis, na trama, não é apenas uma vítima do sistema, mas também um jovem negligenciado e explorado até sua última gota de felicidade, até se tornar um receptáculo preenchido de dor e traumas, que desde muito cedo precisa lidar e conviver com um pai abusivo e tóxico. Apesar de vilanizar seu pai, o roteiro toma o cuidado de explorar também os poucos momentos de amor entre eles e como os detalhes (como um simples segurar de mãos) pode afetar o íntimo de uma criança que busca afeto por todos os lados.

Mesmo com tantos acertos, há deslizes na trama e excesso de história para ser contada em tão curto tempo. Em determinados momentos, o foco da narrativa desvia de seu protagonista e tenta filosofar demais. Ser maior do que é. Esse princípio de grandeza colide com a simplicidade da história e causa alguns desequilíbrios. Porém, nada que possa influenciar a apreciação. Uma vez imerso nas esquisitices e ousadias do roteiro, é difícil não se envolver e sentir empatia pelo protagonista e o caos que reina a sua volta.

Ou seja, com ‘Honey Boy’, Shia LaBeouf celebra sua imperfeição e abraça seus erros para mostrar que há muito mais por trás de uma história do que a versão da mídia. É triste, sombrio e melancólico, mas real e honesto, como poucos filmes se propuseram a ser esse ano. Mesmo que seja sobre a vida controversa de LaBeouf, é mais que isso, é sobre masculinidade tóxica, sobre amor paterno, sobre redenção e como a indústria do cinema transforma seres humanos frágeis em produtos, assim como também os descarta após o uso.

Este filme foi assistido na cobertura oficial do Festival do Rio 2019.

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