Crítica | As Golpistas – Jennifer Lopez poderosa no filme mais audacioso da carreira

O ano certamente está sendo marcado por alguns retornos interessantes de velhos conhecidos em Hollywood que, após um período válido de reclusão, parecem ter encontrado o potencial máximo em suas carreiras. Seja Eddie Murphy com a comédia Meu Nome é Dolemite, da Netflix, ou Adam Sandler com o drama ‘Uncut Gems’, astros e estrelas que foram deixados como coadjuvantes por anos nas grandes premiações agora estão assumindo seus devidos protagonismos, como também é o caso de Jennifer Lopez, uma excelente atriz, que sempre encontrou dificuldade de achar papéis que possam mostrar o seu devido talento. Por sorte, ‘As Golpistas’ (Hustlers) veio para virar o jogo e dar o espaço que Lopez merece.

Porém não se engane, apesar da atuação da atriz ser deslumbrante, o longa não se prende a apenas isso para se manter, já que tanto as demais atrizes quanto o roteiro são igualmente especiais e transbordam originalidade ao retratar um artigo verídico, publicado na New York Magazine, em que contém uma série de entrevistas concedidas a jornalista Elizabeth (vivida pela Julia Stiles) sobre um esquema criminoso que envolveu diversas strippers após a crise financeira que abalou Wall Street, em 2008. Na ocasião, a ex-stripper Destiny (Constance Wu) conta em detalhes como conseguiu o emprego na boate e conheceu Ramona (Jennifer Lopez), uma espécie de abelha rainha do local. Juntas, iniciam (com algumas amigas) um plano onde vão atrás de homens ricos em restaurantes para, após dopá-los, faturar em cima de seus cartões de crédito.

O glamoroso e ostensivo submundo das boates de stripper, cuja vida noturna se transforma em uma grande festa regada a sexo, drogas e muito dinheiro, é o que dá força a trama, já que o roteiro toma o cuidado de fugir de estereótipos e decide certeiramente mostrar a visão nua e crua da realidade vivida por jovens mulheres que precisam estar nesse universo, pois o cruel mundo lá fora não lhes dá oportunidades iguais. Mas muito além disso, as personagens não são retratadas como vítimas do sistema, já que elas gostam de ser o que são, de ter luxo e dinheiro fácil e, como elas mesmas afirmam: “roubar um dinheiro que já foi roubado por tantos homens poderosos e manipuladores”. Sem poder fazer paralelo com a lenda do Robin Hood, afinal, elas usam apenas para benefícios próprios. As personagens não são perfeitas e boazinhas, pelo contrário, elas possuem nuances, desvio de caráter e são egoístas, mas é exatamente isso que as faz ser tão humanas. Todo o arco dramático de Destiny, interpretada com vigor pela talentosa Constance Wu (Podres de Ricos), é uma jornada de descoberta, em que deixa de enxergar o mundo que lhe deu as costas e foca apenas na sua ascensão social.

Mesmo com tantas camadas a serem exploradas pelo roteiro, a parte técnica entrega o mesmo cuidado. A direção de fotografia explora as cores neon das noites de festas, a montagem auxilia na construção do ótimo ritmo, que também é preenchido pela trilha sonora, com a combinação de músicas modernas e clássicas, específicas de cada ano em que a história se passa, desde Britney Spears, Sean Kingston e até Lorde. E claro, a direção de Lorene Scafaria (Coerência) é brilhante, ritmada, estilosa, com planos sequência e momentos em câmera lenta (há uma cena em que o microfone da entrevista é desligado, e o som do filme também se apaga. Primoroso!), além disso, é a visão de uma mulher sobre o mundo íntimo daquelas personagens, como nenhum homem poderia compreender e retratar com tanta eficiência e delicadeza aos detalhes, sem que suas personagens acabassem sendo hipersexualizadas. O discurso feminista da história segue outros caminhos além de apenas exaltar o girl power, já que são mulheres fortes, determinadas e que usam os homens apenas como objetos para chegar onde desejam. Uma inversão de papeis que, de fato, dá poder e voz as personagens.

Ainda que tenha diversos elementos impecáveis, há alguns defeitos aparentes, como o humor que, mesmo que sombrio, é a alma da trama e o ar cômico/excêntrico talvez devesse ser mais explorado. Não é uma comédia propriamente dita, mas há piadas, especialmente visuais, que funcionam para amenizar a carga dramática que a história carrega, dessa forma, o drama e o humor acabam um prejudicando o outro pois não encontram equilíbrio. Fora isso, o roteiro é sim inteligente em sua construção narrativa, mas a trama, como um todo, termina vazia, sendo muito mais interessante pela forma como foi abordada do que pela história em si.

Dessa maneira, ‘As Golpistas’ certamente se destaca como um dos filmes mais originais e criativos do ano, por abortar um escândalo com perfeição, cuidado e muito carisma. Ainda que Constance Wu roube a cena, é Jennifer Lopez e seu magnetismo sem igual a cereja do bolo, que marca seu retorno triunfal para o cinema de qualidade. É sexy, empoderado, audacioso, divertido e repleto de participações especiais do mundo da música (como Lizzo, Cardi B e Usher). O que mais podemos pedir?

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