O cinema e o teatro estão interligados profundamente e um dialoga com o outro de diversas formas. Quando o texto afiado do teatro encontra as técnicas cinematográficas adequadas, nascem ótimas obras, como o drama ‘American Son’, da Netflix, que experimenta um formato simples para, de fato, dar uma aula sobre ser negro nos Estados Unidos. A história, pontual e direta, é adaptada de uma peça da Broadway com o mesmo título e se sustenta tanto pela atuação do elenco, quanto pela necessária exposição do assunto, que propõe debates e reflexões. Porém, há um apego desenfreado ao material de base e isso pode dificultar certos pontos da história.
Apesar do texto ser poderoso, é a atriz Kerry Washington (Scandal) o pilar que sustenta e amarra toda a trama. Sua atuação é profundamente emocional e a atriz, a única presente em cena do começo ao fim, entrega emoção e muito gás a personagem Kendra Ellis-Connor, que está em uma delegacia em Miami e busca notícias sobre seu filho adolescente chamado Jamal, desaparecido após uma discussão entre eles. Conforme a trama avança, vemos que há mais informações por trás dessa história, que fica cada vez mais angustiante quando o lugar se torna palco para um debate acalorado sobre racismo e violência policial.
Em apenas um único cenário, a trama se desenrola de forma contida naquele ambiente hostil para a protagonista. Enquanto chove do lado de fora, a tempestade toma conta por dentro, em uma perfeita metáfora. O ponto forte do roteiro são os diálogos aguçados, que tocam em diferentes formas de preconceitos. Mesmo que altamente expositivos, há essa necessidade de um possível exagero, já que aquele momento específico da vida a personagem representa também sua explosão de sentimentos oprimidos por uma vida, que se intensificam de acordo com a falta de informações sobre seu filho e o confronto doloroso com o policial vivido por Jeremy Jordan (Supergirl) e seu marido branco, interpretado por Steven Pasquale (American Crime Story).
Porém, há problemas que a direção de Kenny Leon (Em Meus Sonhos) não soube contornar. Mesmo que o formato teatral seja interessante, a obra se trata de um filme e não uma peça, dessa forma, o apego exacerbado ao material original e sua forma acabam atrapalhando o desenvolvimento da narrativa, que não avança, não sai do lugar e não se aprofunda, apenas propõe uma palestra sobre diversos assuntos, jogados sem grande ligação entre eles, basicamente não justificando o fato de ter sido adaptado, já que continua sendo uma peça, só que dessa vez, filmada. De fato, falta história e mais camadas entre os personagens e seus dilemas. Dessa forma, é difícil sair da encenação e do drama novelesco, cujos planos são simplistas, vazios e feijão com arroz.
A obra está longe de ser descartada e apenas sua existência já enriquece o catálogo da Netflix com histórias que precisam ser contadas, do ponto de vista de quem tem muito a dizer, mas certamente teria funcionado melhor como uma minissérie, assim como ‘Olhos Que Condenam’. Se pegarmos de exemplo outro filme, ‘O Ódio Que Você Semeia’, que também lida com temas semelhantes aos retratados aqui, há muito mais camadas a serem exploradas e a linguagem cinematográfica auxilia a construção de realismo proposto.
Como um todo, ‘American Son’ é ponto de partida para debater o preconceito racial de forma educativa, direta e eficiente, como uma aula ministrada pela atriz Kerry Washington e toda sua carga emocional. Porém, como um filme, a obra peca por se apegar demais ao material originado do teatro e não justifica sua adaptação. Ainda assim, seus diálogos são duras verdades e seu final é desesperador e abrupto, algo que talvez possa dar um nó no estômago do espectador e deixar uma sensação ruim após seu desfecho. Mas não é exatamente assim a realidade?