Às vezes, a jornada até um determinado ponto vale mais do que o resultado de quando finalmente alcança o objetivo. Concorda? A estrutura narrativa de um filme geralmente segue esse modelo de jornada até seu clímax, mesmo que alguns se desgastem ao longo do caminho e o resultado seja insatisfatório. É plenamente frustrante quando o desfecho de uma história a modifica a ponto de torná-la problemática, como é o caso do terror ‘Eli’, obra da Netflix que peca pelos excessos. Mas antes que o trem descarrilhe por completo, há algumas qualidades inegáveis que valem a pena serem analisadas mais a fundo.
Para começar, a premissa é intrigante e o roteiro entrega respostas à conta gotas para auxiliar na ótima construção do suspense inicial da trama. Somos informados que existe um menino, que se chama Eli, e que ele simplesmente não pode ter contato com o ar a não ser utilizando uma roupa especial. Essa abertura, ao melhor estilo ‘Rua Cloverfield, 10’, estabelece a atmosfera estranha e misteriosa que perpetuará por toda a história. Porém, elementos de uma possível ficção científica são inseridos, para começar a somatória dos excessos do roteiro. Em seguida, a trama avança para a zona de conforto do típico terror de “casa assombrada”, que lembra tanto em direção quanto em fotografia, ‘A Maldição da Residência Hill’. Felizmente essa semelhança é bem-vinda devido a ótima construção de medo, perfeitamente trabalhado pela direção de Ciaran Foy (A Entidade 2).
O diretor não poupa esforços e utiliza as técnicas narrativas a seu favor com muita maestria para elaborar os sustos criativos e com poucos jump scares. Os movimentos de câmera e os planos mais longos são fundamentais para essa criação satisfatória de tensão que o filme faz tão bem até sua metade. Além disso, a atmosfera do lugar lembra filmes como ‘A Casa de Vidro’ e ‘Rose Red – A Casa Adormecida’. Sendo assim, mais um subgênero anexado na trama, que não para por aí. Se por um lado, é curioso não saber exatamente os caminhos que a história irá tomar, por outro, somos deixados à deriva, já que os inúmeros plot twists desconstroem, a todo tempo, o quebra-cabeça confuso que estávamos montando e, com isso, somos levados a diversos becos sem saída que só geram frustração.
Enquanto o roteiro coloca cada vez mais elementos conforme avança, a história vai perdendo gradativamente a força inicial e se rende aos clichês e conveniências do gênero. Ainda assim, os fantasmas são o ponto alto e suas aparições causam desconforto e proporcionam bons sustos na medida do possível. Já não se pode dizer o mesmo do desenvolvimento dos personagens, no geral, rasos. Com exceção do protagonista, vivido pelo jovem Charlie Shotwell (Capitão Fantástico), que realmente entrega veracidade e se envolve com o personagem, só mesmo Sadie Sink (Stranger Things) se destaca e muito por conta de ser o alívio cômico. O elenco adulto, composto por Lili Taylor (Invocação do Mal), Kelly Reilly (Sherlock Holmes) e Max Martini (Cinquenta Tons de Cinza) apenas cumpre a função básica e suas personalidades seguem os típicos estereótipos já vistos em tantos outros filmes.
E após todo o andamento da trama, eis que surgem os excessivos plot twists já citados, que foram pensados para despistar o espectador quando nem mesmo o roteiro sabe ao certo que caminho seguir. Mesmo que haja alguns elementos sobre a grande revelação final espalhados por todo o filme (basta observar alguns desenhos e formas nas paredes da casa!), do clímax absurdo até o desfecho exagerado, toda a resolução é bagunçada e desconstrói de uma vez a atmosfera interessante que estava sendo desenvolvida. Ou seja, o uso excessivo de elementos, já batidos no gênero, acaba por colocar nossa credibilidade em jogo. Pegamos o bom ‘Invocação do Mal’, por exemplo, filme de James Wan que também se utiliza de diversas artimanhas do terror convencional para criar sua estrutura, mas que funciona exatamente por saber desconstruí-las, o que não acontece aqui.
Dessa forma, ‘Eli’ certamente proporcionará bons sustos e uma atmosfera densa e envolvendo inicialmente, mas talvez seja melhor parar de assistir na metade, pois o desfecho bagunçado, caótico e sem o menor nexo, põe a prova se é possível um final estragar todo um filme. Ainda assim, há bons elementos do terror convencional, trabalhados com perspicácia pela direção, se não fosse pelos excessos e exageros de um roteiro que só trabalha reviravoltas desnecessárias, o resultado teria sido bem mais satisfatório.