Antes da Disney consolidar a Era dos remakes e live-actions, ‘Malévola’ chegava aos cinemas embarcado no sucesso estrondoso de público que ‘Alice no País das Maravilhas’, do Tim Burton, havia feito em 2010. A proposta simples, de recriar o já batido conto da Bela Adormecida pela ótica da vilã da história, já seria motivo suficiente para que o projeto despertasse interesse. Como sua estreia aconteceu antes da atual febre, havia poucos filmes como esse e, por isso, sem concorrentes para comparar, atingiu o sucesso necessário para garantir uma sequência. O problema então é a janela de lançamento que nunca acerta o ponto. Assim como o primeiro chegou antes da festa começar, ‘Malévola 2: Dona do Mal’ chega perdido no meio da multidão. Os cinco anos entre um filme e outro pesa negativamente, ainda mais tendo ‘O Rei Leão’ e ‘Aladdin’ nesse hiato. Será que o público ainda possui algum interesse pela personagem ou a falta de engenhosidade fala mais alto?
Se depender da premissa de ‘Dona do Mal’, talvez ainda haja um suco para se extrair dessa maçã envenenada, ainda que não seja nada de extrema relevância. É basicamente a mesma do primeiro: mostrar que a história que nos foi contada sobre a princesa Aurora, na verdade, tem mais nuances do que imaginávamos. Aliás, esse título nacional (o estrangeiro também) não condiz em nada com a trama e certamente serve apenas para justificar que a vilã é uma vilã. Mesmo que não seja. E de fato, não é. Malévola é fruto de muita “fake news” e, mesmo com trajes escuros, chifres e asas negras, não há um ato se quer de maldade que a torne inimiga. É aí que a trama acerta em aprofundar a origem da personagem e a também a origem de sua espécie, os Seres das Trevas, como são chamados. Apesar de ser a mais poderosa de todas as fadas, não é a única com chifres nesse filme e essa expansão é revigorante, já que o roteiro dedica bastante tempo para explorar e expandir essa novidade.
Porém, enquanto acrescenta novos personagens (mesmo que rasos) por um lado, peca significativamente no desenvolvimento de velhos conhecidos, em especial, a Aurora (Elle Fanning) que, apesar de ter mais tempo de tela do que antes, volta a viver a típica princesa sem sal, cuja vida gira em torno apenas de se casar com o homem dos seus sonhos, muito abaixo do pontual discurso que a Disney anda tentando construir com personagens femininas empoderadas. Fanning, infelizmente, se torna vítima dessa falta de ânimo do roteiro e faz o básico para manter a personagem em cena sem grandes momentos. Além dela, todos os demais personagens não fazem mais do que o necessário, com uma pequena exceção para Michelle Pfeiffer (Sombras da Noite) como Rainha Ingrith, clichê e previsível, mas que, ao menos, eleva o nível de atuação em relação aos demais. Já Angelina Jolie é claro, continua com presença forte e carisma sem igual, mesmo que seu papel seja estranhamente menor dessa vez.
O roteiro, apesar de mover a trama para frente sem grandes barrigas e manter um ritmo até bom para o excesso de núcleos, como um todo, é previsível, fácil de digerir e repleto de conveniências, com alguns sacanas “deus ex machina”, que resolvem diversos problemas aparentemente impossíveis com enorme facilidade e flashforwards gratuitos, utilizados à rodo desde a sequência de abertura. Apesar disso, a parte técnica eleva o nível em relação ao primeiro. O excesso de cores realça a magia do conto de fadas, sempre mostrando o lado fantástico mais vivo e colorido do que o frio lado humano. Os efeitos especiais, assim como as sequências de ação dirigidas com maestria por Joachim Rønning (Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar), são o ponto alto do filme. A câmera está sempre em movimento pelos cenários em planos sequência que passam pelos reinos fantásticos, pelas nuvens, pela natureza. Um verdadeiro deslumbre visual que certamente encanta ao ver em tecnologia 3D.
Agora, sobre se ainda há interesse do público na personagem, talvez a resposta esteja na bilheteria que deve fazer e se consolidar como o maior fracasso da produtora esse ano. Não que seja uma sequência detestável e cansativa, assim como ‘Alice Através do Espelho’ é, muito pelo contrário, tem energia, mas a falta de engenhosidade, mesmo após tantos anos de hiato, mostra o desgaste precoce do potencial que a história teria de ainda render muitas continuações. Movida pelo dinheiro e enxugada até sua essência, mais uma vez a Disney não sabe para onde ir.
No entanto, ao menos, ‘Malévola 2: Dona do Mal’ debate o sentimento de reclusão, de ser julgado pela aparência e, nas camadas mais subterrâneas do roteiro, carrega um importante discurso sobre tolerância. A tão clichê “mensagem Disney”, condiz com os dias de hoje e dialoga diretamente com o público infantil. É um filme inofensivo, básico, melhor que o primeiro no quesito tecnologia, mas poderia ter sido muito mais do que apenas isso.