Um roteiro criativo, simples e engenhoso é o passo mais importante para manter uma história com o espectador após a sessão. Quando se trata de um filme como ‘Fratura’ (Fractured), thriller cuja trama se firma em desempenhar plot twist atrás de plot twist, menos é mais e, nesse caso, é a simplicidade e a visão consistente da direção, que fazem a obra se tornar interessante. ‘Plano de Voo’ (2005) por exemplo, é um ótimo modelo de thriller eficiente, que mexe com a nossa percepção do que é verdade/mentira e nos faz, a todo tempo, questionar a protagonista (vivida por Jodie Foster). Essa é a mesmíssima fórmula de ‘Fratura’, apenas transferindo o ambiente para um hospital suspeito e voilà: temos o primeiro bom filme Original Netflix desse ano.
Mas não se engane, apesar de uma premissa relativamente simples, a trama assume diversas camadas conforme se desenrola. Nós, espectadores, contamos com as mesmas informações do protagonista e, com isso, somos levamos a acreditar em tudo que ele acredita ser verdade sobre o misterioso desaparecimento de sua esposa e filha após sofrer um acidente e ir a um hospital. Como seguimos o ponto de vista do personagem, recebemos todos os fatos através da sua visão e percepção e é aí que mora a engenhosidade do roteiro escrito por Alan McElroy (também roteirista de ‘Pânico na Floresta’). A narrativa é enérgica, intrigante e intensa, muito pela trilha crescente de piano e pela direção eficiente de Brad Anderson (O Operário), que abraça a proposta do filme e o conduz com muito estilo.
Mesmo com a criatividade do roteiro e a perspicácia da direção, sem o ator ideal, o projeto não teria o tamanho carisma. Sam Worthington (Avatar), por sorte, funciona aqui e se torna o terceiro pilar de sustentação da história, com seu trabalho intenso, segurando a trama até o final. Ray tem inúmeras camadas e consegue ser detestável e simpático com a mesma veemência, esse equilíbrio condiz com a proposta contraditória do filme. Já Lily Rabe (American Horror Story), que vive sua esposa, tem um papel menor e contido, mas entrega o desejado com maestria. Além disso, o trabalha da montagem é ágil para manter o ritmo do filme sempre em alta, sem quedas bruscas, no mesmo estilo de suspense de filmes como ‘Culpa’ (Gustav Möller, 2013) e ‘Chamada de Emergência’ (2013), que também conta com a direção de Anderson.
A atmosfera da trama é imersiva e a sensação de estranheza marca presença. O trabalho da direção de fotografia é outro evidentemente eficaz para manter o clima denso e confuso no ar, com tons cinzas e escuros. Agora, sobre as camadas e reviravoltas, sem entregar spoilers, é um filme que funciona bem ao ser assistido pela segunda vez, já que os pontos se ligam desde o começo e, como diz uma personagem, a mente desenvolve diferentes realidades para se lidar com traumas. Mesmo que, a meu ver, o desfecho tenha sido claro sobre o que realmente aconteceu, há diversas interpretações e questionamentos que se tornam ainda mais ricos conforme mergulhamos em suas possibilidades. Tramas que envolvem doenças da mente geralmente brincam com o espectador sobre a realidade e o delírio e poucas mastigam o final, esse poderia ter sido o caso aqui, mesmo que satisfatório, o desfecho acaba se ultrapassando e explicando demais.
Ainda assim, a natureza conspiratória da mente humana é o grande destaque e nós, espectadores, somos meras marionetes, manipuladas pelo roteiro inteligente e pela direção sagaz de ‘Fratura’, cuja imersão é profundamente satisfatória. Somos convidados a pensar, construir o quebra-cabeça e a solucionar, junto com o protagonista, os mistérios propostos, poucos filmes são tal envolventes dessa forma e as reviravoltas (acredite, são muitas!) certamente irão bugar a sua mente.