Crítica | Se a Rua Beale Falasse – Indispensável tributo do amor perante ao ódio

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Assim como o talentoso Jordan Peele (Corra!, Nós), o diretor Barry Jenkins (Moonligh: Sob a Luz do Luar) se estabelece como um dos mais importantes storytelling do cinema atual, afinal, sua capacidade e sensibilidade de contar uma história que seja, ao mesmo tempo interessante e relevante, é absurdamente poderosa. Enquanto o primeiro insere questões raciais no gênero terror/suspense, o outro navega entre o drama e o romance de maneira cativante e gentil, sempre desenvolvendo minuciosamente personagens que tem algo a dizer para sociedade e que prestam um serviço digno a altura da comunidade negra americana, fugindo completamente do temido mito do “Magical Negro”, termo popularizado por Spike Lee (Infiltrado na Klan), que trata sobre estereótipos negros e a redenção de brancos.

Desde o início da carreira o cinema de Jenkins explora a cultura negra, se abraça da forma que é e passa uma mensagem de conscientização encoberta de muitas camadas reflexivas. Por sorte, ‘Se a Rua Beale Falasse’ (If Beale Street Could Talk), seu novo romance, é abordado exatamente dessa forma, porém, diferente dos demais, é mais leve e delicado. Inspirado no livro de James Baldwin, narra a trajetória do casal Tish (Kiki Layne) e Alonzo (Stephan James), que se conhecem desde muito jovens e, após saber que está grávida, Tish precisa lutar com todas as suas forças para livrar o marido de uma acusação criminal injusta, baseada em subtextos racistas, a ponto de tê-lo em casa para o nascimento do bebê. Seguindo duas linhas temporais, antes e depois da prisão do jovem, o romance é trivial, mas carismático e, logo de cara, convida o espectador a fazer parte daquela jornada junto com os personagens, semelhante ao ótimo ‘O Ódio Que Você Semeia’.

No entanto, não é apenas a direção de Jenkins que está espetacular, a direção de arte e figurino da obra também são partes fundamentais responsáveis pelo envolvimento do público. Os cenários de época, as roupas monocromáticas e a cultura negra dos anos 70 são evidenciadas de maneira brilhante, intensificadas pela trilha sonora regada de Jazz e violino, que conduz as emoções ao ápice, e também pela direção de fotografia, que ressalta cores terrosas, dando a sensação de conforto e familiaridade, além de planos elaborados e longas tomadas que exigem uma boa interpretação dos atores. E é aí que mora o grande (e talvez único) problema do longa. Os protagonistas não conseguem alcançar a complexidade e beleza de seus personagens em tela, em especial a atriz Kiki Layne (Captive State), que até se esforça, mas não parece confortável no papel, afastando (em partes) a química do casal.

Mas veja bem, mesmo com atuações medianas, os personagens são envolventes e encantadores, algo que afeta nossa emoção e afasta o incômodo da atuação, pelo menos por boa parte do filme, ficando mesmo para os coadjuvantes a função de brilhar e alcançar o máximo possível, em especial a maravilhosa Regina King (Seven Seconds), que vive a mãe da protagonista. Quando a trama abre espaço para ela, engrandece de uma forma muito especial, já que seus diálogos são os mais intensos e rigorosamente tratados para fazerem efeito na história.

Por sinal, o ritmo da narrativa é lento e visa nossa reflexão, dedicando bons minutos para longos diálogos sobre a comunidade negra, a tão abordada violência policial e a luta por igualdade, fora, é claro, o romance água com açúcar, digno de um filme baseado em qualquer livro do Nicholas Sparks.

Dessa forma, ‘Se a Rua Beale Falasse’ é uma história de amor, que convida a sociedade a refletir sobre suas ações e atitudes perante ao ódio e as injustiças. Uma obra doce, acessível e feita com a sensibilidade do olhar de Barry Jenkins para as questões raciais. Com o melodrama sublime e o romance convencional, a escolha certa do elenco teria feito desse um dos fortes candidatos ao Oscar, no entanto, o intuito não parece ser esse, mas sim contar as histórias extraordinárias que são ocultadas pela ferida exposta que é o racismo.

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