Crítica | Thor: Ragnarok

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O Ragnarok deveria ser a reconciliação de Thor nos cinemas. Depois de dois filmes que tem sua qualidade bastante questionada – e com devida razão, especialmente quando se trata do primeiro -, a Marvel prometeu um evento épico no universo do deus do trovão, que traria o fim de Asgard e prometia ser uma das aventuras mais lendárias do universo criado nos cinemas pelo estúdio. Entretanto, indo na contramão do esperado, Thor: Ragnarok passou por uma mudança de conceito e se tornou uma comédia recheada de ação. Mesmo indo contra tudo o que deveria ter sido – pelo menos, inicialmente -, o terceiro filme do herói é, sim, a verdadeira reconciliação do deus do trovão e uma ótima forma de concluir uma trilogia questionável. 

A trama se passa alguns anos depois de Vingadores 2: Era de Ultron, mostrando o que Thor (Chris Hemsworth) tem feito desde que saiu em busca das Jóias do Infinito. Repentinamente, Hela (Cate Blanchett) chega como um cumprimento da profecia do Ragnarok, prometendo o fim de Asgard e dos deuses. Na tentativa de impedir que a deusa da morte destrua tudo, Thor acaba jogado em Sakaar, um planeta distante em que vira um gladiador. Lá, ele encontra Hulk (Mark Ruffalo) e precisa da ajuda do gigante esmeralda e de companheiros inusitados para impedir que Hela destrua tudo de mais precioso para o herói. 

Thor: Ragnarok é ridículo. Extremamente ridículo. O figurino é ridículo, a história é ridículo e o próprio Thor é ridículo. Entretanto, tudo no bom sentido. E melhor de tudo: o filme não tem medo de ser tão ridículo. Desde o início, fica bem clara a ideia que Taika Waititi (responsável por O Que Fazemos Nas Sombras), diretor do filme, tem para as restantes duas horas: comédia esculachada e exagerada, intercalada por cenas de ação mirabolantes. A falta de vergonha em ser burlesco, pitoresco e ousado, assumindo logo de cara que não é um filme cheio de amarras significativas, faz de Thor: Ragnarok um dos filmes que mais destoam do Universo Marvel já consolidado. 

As homenagens visuais a quadrinhos de Jack Kirby – renomado artista que ficou famoso por explorar o universo cósmico por meio dos pincéis – são variadas e se sobressaltam a todo momento. A paleta de cores vivas remete diretamente aos quadrinhos dos anos 70 e 80, em que o universo de Thor foi explorado por Walt Simonson – um dos maiores pioneiros quando se tratava de elevar heróis a situações inesperadas – e pelas mãos caprichosas de Kirby. Além dos claros easter-eggs visuais, todo o espírito do filme parece ser totalmente o de um quadrinho: a aventura pitoresca em que o herói precisa passar por diversas dificuldades e diversos cenários; a amizade entre dois super-heróis e a parceria inusitada durante a trama; super-vilões gigantes e impossíveis de derrotar; tudo está presente e faz Thor: Ragnarok se sobressair ainda mais. 

A dinâmica entre os personagens é outro ponto forte. Apesar de alguns dos protagonistas parecerem descaracterizados, de certa maneira, é aceitável que eles sejam lapidados de maneira diferente, considerando que diretores diferentes já comandaram os heróis em tela. Thor encontra – além de seu melhor filme – seus melhores momentos em tela. Se o deus trovão sério já não deu certo em tela nas outras duas vezes que tentaram, neste terceiro filme fica claro que o personagem funciona extremamente bem com comédias. O timing cômico de Chris Hemsworth já tinha ficado evidente em Férias Frustradas, mas funciona ainda melhor quando ele interpreta um personagem tão caricato como o filho de Odin. Melhor ainda, o personagem parece ganhar ainda mais fôlego quando divide a carga em tela com Hulk e Loki (com o sempre carismático Tom Hiddleston). 

Já aproveitando para falar dos personagens, a Marvel finalmente conseguiu desenvolver bem seu vilão. Apesar de Tom Hiddleston já ter tido uma performance surpreendente no primeiro Vingadores, desde então, os vilões da Casa das Ideias nunca foram personagens de grandes destaque, servindo como meras nuances de maldade e figuras bastante genéricas, na grande maioria das vezes. Finalmente saindo dessa sombra, Hela é uma vilã maravilhosa. Grande parte do mérito vai para Cate Blanchett, que se entregou totalmente à personagem e construiu uma vilã que encaixa na comédia do filme de maneira muito natural, ao mesmo tempo que é uma vilã extremamente poderosa e assustadora, com motivações embasadas e com tempo de desenvolvimento perfeito durante as mais de duas horas do filme. 

Taika Waititi também não decepciona. Quando se trata de humor, o cineasta não precisa se esforçar muito, já é sua segunda natureza. Além do ótimo timing cômico que possui – e das ótimas punch lines que cria -, o diretor é bem competente quando precisa lidar com as cenas de ação. Ainda que utilize em demasia o CGI – em alguns momentos bastante fraco -, o diretor filma muito bem as cenas, sem permitir que o espectador se perca nas mudanças de planos. De maneira bastante psicodélica, ele também traz novos elementos de batalha quando se trata do protagonista Thor, fazendo o personagem utilizar poderes até então nunca vistos. A cena tão aguardada entre o filho de Odin e Hulk não desaponta, e é sem dúvida uma das melhores lutas entre super-heróis do cinema. 

O grande deslize do filme fica por conta do humor exacerbado. É óbvio que em um filme como esse, em que tudo remete ao ridículo e a ideia de falta de vergonha, a comédia se sobressai e a dramaticidade do filme se esvai em altos níveis. Entretanto, falta certo entrosamento entre a comédia esculachada e a dramatização que certos eventos durante o filme requerem. Em determinados momentos, os personagens realmente condizem com a tristeza perpassada pela cena, mas Taika não sabe conciliar. A comédia do filme funciona muito bem – principalmente por conta da facilidade de Chris Hemsworth de fazer comédia e das dinâmicas entre os personagens que facilitam as punch lines -, com piadas inteligentes e em ótimo momento, mas ainda fica bastante evidente a falta de sobriedade quando se trata de conciliar um épico com comédia. Além, é claro, de algumas piadas que destoam do humor que o próprio filme estabelece, fazendo parecer que Waititi precisava simplesmente de uma esquete obrigatória na cena. 

O Ragnarok deveria significar o fim dos deuses, e consequentemente, o fim do universo do Thor. Ironicamente, entretanto, Thor: Ragnarok serve como um recomeço – quando se trata do tom, ambientação e gênero – para o personagem. Se antes as cenas obrigatórias na Terra serviam como um empecilho, agora parece que o personagem seguiu os Guardiões da Galáxia e seguirá pelas estrelas. O terceiro filme do herói diverte – apesar da falta de conciliação entre drama e comédia em alguns momentos – e mostra como o deus do trovão funciona melhor com personagens coadjuvantes de qualidade para apoiá-lo em suas aventuras solo. É um ótimo filme de comédia, uma ótima aventura cósmica, um ótimo filme do personagem, e acima de tudo, um ótimo filme do Universo Marvel. 

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