Um olhar otimista de 3% – primeira série original Netflix Brasileira

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O ano é 2009 e um grupo de alunos da Universidade de São Paulo – USP cria uma história de uma sociedade distópica dividida nos clássicos “lado de cá” (pobreza e privações de necessidades básicas) e “lado de lá” (sociedade plena). Para mudar de lado, os habitantes com 20 anos de idade devem passar por um processo em que apenas 3% são aprovados. Coincidência ou não, na época de elaboração da trama o roteirista principal da narrativa, Pedro Aguilera, tinha exatamente 20 anos e já sabia melhor que ninguém que é nessa faixa que a vida começa a nos inserir em diversos processos, desde seleções acirradíssimas nos vestibulares à disputas frenéticas por espaço em um mercado de trabalho concorridíssimo.

O episódio piloto foi disponibilizado no Youtube em 2011, produzido pela Maria Bonita Filmes e dirigido por Daina Giannecchini, Dani Libardi e Jotagá Crema. A produção só foi possível devido ao fato da série ter ganho a Etapa I do Edital de Seleção de Desenvolvimento e Produção de Teledramaturgia Seriada para TVs Públicas – FicTV/Mais Cultura (MinC) e hoje conta com mais de 1 milhão de visualizações. A série foi também vencedora da Mostra Competitiva de Pilotos Brasileiros na categoria Séries de Ficção.

Mesmo com os prêmios a série não encantou nenhuma das mais de dez emissoras em que o projeto foi apresentado. A base de fãs chegou até mesmo a criar uma campanha no Avaaz para que alguma TV bancasse a produção, mas sem resultado. Mas como a esperança é a última que morre, em agosto de 2015 a Netflix anunciou a produção da primeira temporada da primeira série brasileira produzida pela Netflix, agora sob a batuta da Boutique Filmes e direção de César Charlone (Cidade de Deus).

A ideia de uma grande produção de ficção científica ambientada no Brasil já anima por si só ao fugir do constante clichê Favela Rio-São Paulo e Seca no Nordeste. O tema da série, por exemplo, é interessantíssimo: mostrar um mundo pós-apocalíptico, fruto de diversas crises que deixaram o planeta completamente devastado. A situação extrema acabou segregando a sociedade em dois grandes grupos: lado de cá e lado de lá. Convenhamos, o enredo teria uma proposta bem inovadora, se estivéssemos em 2011. Sim, pois nos últimos cinco anos fomos bombardeados com inúmeras produções com enredos que envolvem a mesma ideia. Podemos destacar como exemplos bem sucedidos Jogos Vorazes (2012), Elysium (2013), Divergente (2014) e Maze Runner (2014). E é justamente isso que faz com que o espectador assista 3% com uma constante sensação de Deja Vu.

Junto com a adaptação da Netflix, vieram também algumas alterações. Ao comparar o episódio piloto com a mega produção atual, vemos claras mudanças: fotografia mais clean e clara, diferente da diretriz anterior, mais sombria e escura; os termos “lado de lá” e “lado de cá”, que designavam os grupos sociais após a segregação, passam a ser “Continente” e “Mar Alto”; e a ambientação, bem pesada no episódio piloto – mais parecendo um campo de concentração, passa a ter um ar mais futurístico, com o branco predominando nos cenários e figurinos.

Com relação aos personagens, as características são as mais diversas possíveis: uma jovem idealista, um rapaz egoísta, um cadeirante, um líder nato, dentre outros. Todos querendo superar tudo e todos para passar pelos testes e conseguir uma vida melhor.

O processo de número 104 é conduzido por Ezequiel (João Miguel), uma mistura de apresentador de BBB com Coach apaixonado por frases de Augusto Cury. Ao longo das etapas, as eliminações diminuem a quantidade de participantes envolvidos, expondo as mais intrínsecas facetas das personalidades de cada um, assim como as nuances do passado que insistem em voltar para assombra-los. Simultaneamente, a série mostra que as coisas não são tão perfeitas assim lá no Mar Alto, onde o sistema é essencialmente corrupto e a aprovação do processo nem sempre se dá por atitudes corretas dos participantes.

Apesar do elenco, composto em sua maioria por novatos, parecer apenas acompanhar “o andar da carruagem”, é impossível não destacar as atuações de João Miguel, Bianca Comparato (Avenida Brasil), Vaneza Oliveira (Joana) e Michel Gomes (Fernando). Faz parte também do elenco a já conhecida Zezé Motta, porém com aparições apagadas no papel de Nair, personagem com aparente poder e influência no Maralto.

A prerrogativa de 3% parece ser quebrar alguns paradigmas e não se deter aos já batidos estereótipos da TV, mostrando, por exemplo, a vida de Fernando, jovem cadeirante negro, extremamente inteligente e com a  vida sexual bastante resolvida e ativa formando casal com a Michele. Além dele, temos também Joana, negra, inteligente e sagaz, sobrevivente das ruas do Continente.

A ideia é ótima, o enredo parece ter tudo para dar certo – dá até um brilho nos olhos ver que é uma série brasileira, mas 3% deixa a desejar em alguns aspectos.

Um dos principais pontos negativos é a forma como o enredo é desenvolvido. Há muitas lacunas na trama que, ao invés de gerar curiosidade, acabam apenas deixando o espectador confuso. O processo, por exemplo, já está em sua 104ª edição, ou seja, a série se passa 104 anos após o caos ter se instalado no planeta. Mas afinal, o que houve? A série não fala. A produção frisa bem que essa expectativa de ser aprovado no processo e se mudar para o Maralto é muito bem alimentada durante 20 anos da vida de cada cidadão do continente, mas por que? A vida deles é ruim por lá? O que acontece no Continente? Nenhum episódio da primeira temporada explica. Ah, e o Maralto? É mesmo isso tudo que dizem? Não sabemos, pois a série também não mostra. Até mesmo o processo, inicialmente muito rigoroso e recheado de provas que pressionam os candidatos contra parede, forçando cada um a realmente dar o melhor de si, vai se afrouxando ao longo das etapas, ao ponto de você lembrar das provas de líder do BBB ou até mesmo de Supermax.

A primeira temporada de 3% talvez frustre quem espera a continuação do piloto produzido em 2011. As brechas no enredo fazem com que o público por vezes se pergunte se vale a pena seguir a frente. Mas, como prometemos um olhar mais otimista da série, preferimos dizer que sim, a série tem potencial para seguir em frente. Esperamos uma nova temporada de 3% que preencha essas lacunas e permita que os fãs mergulhem nesse universo distópico criado pela série. O episódio final deixa vários ganchos para uma nova temporada e talvez nela todos esses questionamentos encontrem respostas.

Todos os episódios da primeira temporada de 3% já estão disponíveis na Netflix. Assiste e conta pra gente o que você achou 🙂

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