Crítica | Clímax

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Poucos realizadores são tão ousados quanto o cineasta argentino Gaspar Noé (Viagem AlucinanteIrreversível). Ainda mais considerando uma Hollywood tão comercial quanto a de hoje. Não apenas pela ousadia, mas Noé também dispõe de uma estranha criatividade e interesse por assuntos polêmicos, porém, diferente de outros artistas como Lars von Trier, ele aborda temas peculiares de forma artística e conceitual, sem o egocentrismo típico do cineasta dinamarquês. Seus filmes são, em geral, sobre sexo, drogas e uma visão realista do amor moderno, e entregam experiências únicas dentro da sala escura, como é o caso de ‘Clímax’, sua nova obra experimental e sensorial após o curioso ‘Love 3D’. Dessa vez, o diretor se arrisca no horror psicológico e nos coloca de corpo e alma dentro de uma festa fora de controle.

Na verdade, a trama é puramente essa. Nos anos 90, acompanhamos um grupo de jovens dançarinos que realizam uma festa em um local isolado no meio da floresta. De início, tudo corre bem, até que o clima dentro do lugar começa a mudar e eles percebem que foram drogados através da bebida. Daí por diante a trama abraça a loucura e a paranoia se estabelece, transformando a pacata festa de amigos em um terrível purgatório repleto de acontecimentos impactantes e violentos. Um roteiro simples, com um texto vazio, mas absurdamente eficaz dentro da proposta e que ganha destaque por sua parte técnica.

Por mais comercial que possa parecer essa trama, digna de qualquer bom filme de terror, é a direção de Noé que torna o passeio extremamente peculiar, já que o diretor opta por elaborados planos sequência de longos minutos, perfeitamente coreografados com o elenco, além de estilosos plongées e enquadramentos centralizados, que tornam cada pequeno plano uma interessante forma de contar a história através de uma linguagem distorcida e estranha, marca de sua direção. Ou seja, o filme não é para todos os públicos e dificilmente agradará aquele que busca uma obra dinâmica e não está familiarizado com a filmografia do diretor, já que ‘Clímax’ leva aproximadamente 50 minutos para, finalmente, algo de interessante começar a acontecer.

Mesmo com a trama lenta e os planos sendo de longa duração, o ritmo é eficiente e frenético, guiado pela trilha sonora diegética, regada de eletrônico e Synthpop. O som e as músicas do filme contribuem, e muito, para as sensações que o diretor quer passar, já que o ritmo é constante durante quase toda a projeção, fora a excepcional direção de fotografia, que explora o vermelho para representar insanidade, perversão, sexo e loucura. Temas abordados pelo roteiro, e que se intensificam conforme a festa começa a desandar e nós nos tornamos também personagens da obra, igualmente presos aquela atmosfera caótica, observando todos os acontecimentos sem poder sair do cinema.

Não é atoa que se chama ‘Clímax’, já que a narrativa não segue os padrões de atos, muito pelo contrário, toda a história parece um segundo ato, mesmo que haja seu ápice quando todos já estão completamente fora de si, uma perfeita desconstrução imposta por Noé, que funciona e intriga na mesma proporção que incomoda, seja pelas frases machistas de alguns personagens ou mesmo pela violência explícita e ousada de algumas cenas, elementos que também ajudam a criar o suspense e a tensão, junto com a sensação de que muita coisa terrível pode acontecer a qualquer momento. A angústia é trabalhada com maestria pelos personagens, aliás, todo o elenco entrega o que se propõe, em especial a talentosa Sofia Boutella (A Múmia, Atômica).

Dessa forma, Gaspar Noé transforma ‘Clímax’ em uma descida angustiante ao inferno, onde toda a estranheza de seus planos elaborados faz sentido, e a os gritos de agonia provocam ansiedade ao espectador que se vê preso aquela atmosfera de caos. É um filme provocativo, eletrizante, feito para poucos e que mostra, com perfeição e beleza, como o drama humano e o horror psicológico podem conviver em harmonia dentro da desordem.

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