Mulheres no Audiovisual – Uma Reflexão

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Por que o mercado cinematográfico, seja brasileiro ou estrangeiro, ainda é dominado pela presença masculina? Com a popularização de temáticas como a representatividade e o empoderamento nas redes sociais, surgem também questionamentos a respeito da participação e da representação feminina no cinema.

Ao longo da história, em uma indústria que nasceu e se desenvolveu voltada a narrativas masculinas, na qual as mulheres por muito tempo foram consideradas incapazes de executar certas funções no set de filmagem (principalmente aquelas que envolviam aspectos técnicos), a falta de profissionais do sexo feminino por trás das câmeras é um reflexo problemático de uma sociedade que ainda precisa ser desconstruída – para ser reconstruída de maneira mais aberta e igualitária.

Teto de vidro

Para ilustrar a desigualdade de oportunidades no que diz respeito ao trabalho na indústria cinematográfica, um termo muito utilizado tem sido glass ceiling (em tradução livre, “teto de vidro”). Trata-se de uma metáfora que representa a barreira invisível que impede certas pessoas (principalmente minorias) de ultrapassarem os níveis pré-determinados para elas dentro da hierarquia social.

Em artigo para a CNN, a escritora Melissa Silverstein chegou a questionar os motivos pelos quais a indústria hollywoodiana não parece dar valor algum às narrativas femininas: “Está claro que Hollywood tem um problema com as mulheres. Não é somente por não confiarem na visão de uma mulher para dirigir um filme; eles não acreditam que as pessoas queiram ver nossas histórias. Existe um senso comum de que as histórias masculinas são universais, mas que as femininas são apenas para mulheres. ”

Os problemas no que diz respeito à mão de obra feminina nas produções de Hollywood vão além da falta de representatividade. Desde o ano passado, movimentos como #MeToo e #TimesUp contribuíram para expor abusos e assédios que eram tidos como normais na indústria cinematográfica, derrubando figuras renomadas do mercado norte-americano, como o produtor Harvey Weinstein. A repercussão do caso foi tão grande que inúmeras vítimas de outros abusadores se manifestaram e passaram a exigir justiça contra esse tipo de comportamento. Até mesmo no Brasil foi lançado um documento nesse sentido, a cartilha Pacto de Responsabilidade Antiassédio Sexual no Setor do Audiovisual, produzida de maneira colaborativa para “combater a ocorrência de comportamentos abusivos no ambiente de trabalho e nas suas adjacências”.

Hollywood em números

  • As mulheres representam 50% dos espectadores de filmes nas salas de cinema. (fonte: Motion Picture Association of America/2017)
  • Entre as 100 maiores bilheterias norte-americanas do ano passado, as mulheres representaram 8% dos diretores, 10% dos roteiristas, 2% dos diretores de fotografia, 14% dos editores, 24% dos produtores. Já entre as 250 maiores bilheterias de 2017, as mulheres representaram apenas 3% do total de membros das equipes de filmagem. (fonte: Center for the Study of Women in Television and Film)
  • Kathryn Bigelow é a única mulher a ter recebido um Oscar na categoria de Melhor Direção (em 2010, por Guerra Ao Terror/The Hurt Locker). Apenas cinco mulheres foram nomeadas nessa categoria, em toda a história do prêmio, ou seja, em 90 anos (Lina Wertmüller, Jane Campion, Sofia Coppola, Kathryn Bigelow e Greta Gerwig). Este ano, a diretora de fotografia Rachel Morrison se tornou a primeira mulher nomeada para um Oscar de Cinematografia (por Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi).
  • No que diz respeito às personagens representadas nas telas, no ano passado as mulheres foram protagonistas em somente 24% dos filmes. (fonte: Women and Hollywood)

No Brasil, a situação não é muito diferente. Para exemplificar esse problema, segundo dados da Ancine no que diz respeito à produção feminina no cinema brasileiro da retomada (1995 a 2005), os números eram os seguintes: homens cineastas (79%), mulheres cineastas (18%), produções mistas (3%). Duas décadas depois, no ano de 2017, ao invés de se ampliar, a participação feminina no mercado cinematográfico brasileiro praticamente não se alterou: homens cineastas (77%), mulheres cineastas (16%), produções mistas (7%).

Nesse contexto, questionar o espaço ocupado por mulheres na produção audiovisual brasileira pode ser uma forma de oferecer alternativas para gerar oportunidades a essa parcela da população, propondo mudanças aos profissionais que atuam na área. Em uma realidade na qual diversos movimentos buscam cada vez mais dar voz às mulheres nos mais variados segmentos profissionais, uma grande questão é?: por que a atuação e a representação de mulheres ainda parece tão pouco significativa no mercado cinematográfico? E como essa realidade da produção se reflete nos produtos culturais criados?

We can do it!

Em seu livro Women’s Cinema, World Cinema: Projecting Contemporary Feminisms, a escritora Patricia White destaca a importância, cada vez maior, de valorizar a produção audiovisual feminina e, principalmente, de mudar a imagem de cineastas do sexo feminino perante os espectadores, desmistificando o fato de que o cinema produzido por mulheres e para mulheres deva ser exclusivamente “artístico” ou desassociado do sucesso comercial.

O público feminino consome uma quantidade de produções cinematográficas tão significativa quanto o masculino; portanto, é necessário falar a ambos os gêneros. “As mulheres que fazem filmes hoje, seja qual for sua relação com o feminismo, estão desalojando o Eurocentrismo e a hegemonia Hollywoodiana, criando novas relações entre os gêneros, políticas, lugares e o futuro”, explica a autora.

Para conquistar esse espaço em uma indústria que necessita se alinhar à realidade social e realizar consideráveis mudanças no que diz respeito à representatividade (não só de mulheres, como de outros grupos minoritários), diversas iniciativas e políticas inclusivas têm se destacado, em busca do crescimento e do fortalecimento da participação feminina nas produções cinematográficas – particularmente no mercado audiovisual brasileiro.

Ancine

Em março deste ano, foram aprovadas pelo Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA) cotas para mulheres, negros e indígenas no edital de Concurso Produção para Cinema 2018, que destina R$ 100 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) a projetos de longas-metragens independentes de ficção, documentário ou animação. A ideia é que o instrumento ajude a diversificar a produção audiovisual nacional, já que pelo menos 35% dos valores investidos nos projetos selecionados deverão ser dirigidos por mulheres ou mulheres transexuais/travestis, e pelo menos 10% desses valores serão reservados a diretores (as) negros (as) (pretos e pardos) e indígenas.

Netflix

Recentemente, a empresa divulgou que pretende concentrar suas produções originais nacionais em tramas femininas. A campanha “She Rules”, lançada há algum tempo, já enfatizava a importância das mulheres nas produções da plataforma – tanto nos bastidores, como produtoras, diretoras e roteiristas, como na frente das câmeras, como protagonistas de filmes e séries. Exemplos de produções internacionais da Netflix que focam em narrativas femininas são Jessica Jones, Good Girls e Orange is The New Black. Essa mentalidade se mostra ainda mais evidente no Brasil, já boa parte das séries originais produzidas no país pela empresa têm protagonistas femininas fortes – como é o caso de 3%, Samantha! e Coisa Mais Linda.

Mulheres Audiovisual

É uma plataforma colaborativa que busca atuar no mercado nacional e internacional, reunindo, divulgando e distribuindo conteúdo artístico e audiovisual produzido por mulheres. A proposta é dar visibilidade a essas produções, criando também um instrumento de divulgação, de registro histórico e de memória, além de ser uma ferramenta de construção de novas narrativas sobre o papel da mulher no cinema e na produção da cinegrafia no Brasil. O cadastro das profissionais e de suas obras no site é totalmente gratuito.

A Vida Invisível

O longa-metragem do cineasta cearense Karim Aïnouz, uma história sobre sororidade, está sendo rodado com equipe de câmera e fotografia 100% feminina, promovendo a inclusão de mulheres em funções técnicas no set de filmagem. (fonte: grupo do Facebook Mulheres no Audiovisual)

O poder da coletividade

A importância dos coletivos femininos tem se tornado cada vez mais latente em um mercado na qual profissionais capacitadas lutam por oportunidades. Um exemplo disso é o DAFB – Coletivo das Diretoras de Fotografia do Brasil, do qual faz parte Andrea Capella, professora da Academia Internacional de Cinema.

Já o coletivo Hysteria, da produtora audiovisual Conspiração, tem o objetivo de gerar conteúdo pensado por mulheres. “Não é necessariamente para e sobre mulheres. Porém, é feito por elas. O que nos interessa é a visão feminina sobre diversos temas”, conforme afirmou Renata Brandão, CEO da produtora, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Outra iniciativa nesse sentido é o selo Elas, da Elo Company. A empresária Barbara Sturm, diretora de conteúdo da produtora e ex-aluna da AIC, foi responsável pela criação do selo e explica um pouco sobre o processo que levou à concretização desse projeto: “No final de 2017, as histórias com narrativas femininas estavam consolidadas, tanto no interesse do público (com sucessos como Mulher Maravilha, Moana e The Handmaid’s Tale), como em termos de crítica e prêmios (Big Little Lies, Como Nossos Pais, entre outros). Percebemos que, dos 20 projetos premium na empresa em fase de desenvolvimento, 9 eram dirigidos por mulheres. Juntando esses dados, fazia sentido a Elo ser pioneira na mudança dos apenas 19% de filmes brasileiros dirigidos por mulheres lançados anualmente. O selo foi criado para jogar luz ao tema, mostrar que temos interesse em analisar projetos dirigidos por mulheres, mas que buscamos sempre os melhores projetos.”

De acordo com Barbara, o grande diferencial do selo Elas é seu grupo de consultores do mercado, nas áreas executivas, jurídicas e artísticas, formado para potencializar os resultados dos projetos em todas as mídias. “Acredito que o que faltava eram oportunidades para as diretoras e interesse do público, duas coisas que foram consolidadas e agora não temos como andar para trás”, afirma a empresária. “O audiovisual é um reflexo da sociedade. Precisamos de personagens para nos inspirar, histórias com as quais nos identifiquemos, protagonistas de suas próprias histórias.”

Tempo de transformação

Na opinião da professora da AIC – Yara Guzman, que trabalha como assistente de direção cinematográfica, o mercado audiovisual brasileiro reflete uma realidade em que a hierarquia e os salários ainda são desiguais entre homens e mulheres. “É um espaço onde, durante muito tempo, para se destacarem, as mulheres precisavam ter posturas ditas masculinas, impositivas, sendo às vezes até mais duras que os próprios homens com quem trabalhavam. Por se tratar de um meio artístico e privilegiado, felizmente nos últimos anos ele tem sido beneficamente afetado pelas transformações sociais”, observa.

Embora o cinema seja uma arte muito atualizada com seu tempo e aberta a questionamentos, uma matéria recente do jornal El País escancarou a realidade de que a produção cinematográfica brasileira ainda é, essencialmente, “masculina e branca”. Nesse sentido, Yara acredita que as narrativas femininas podem contribuir para o aumento do consumo do audiovisual brasileiro, já que metade da população é composta por mulheres. “Para tornar o cinema menos desigual e potencializar seu alcance com o público, é preciso que mais mulheres ocupem importantes cargos no topo da cadeia dentro das produções e tenham poder de decisão”, defende.

Segundo a assistente de direção, projetos e sets com mais mulheres em cargos estratégicos impactam positivamente as produções, gerando maior comprometimento por parte de todos – tanto homens quanto mulheres. “O mercado também tem sido impactado pela sororidade praticada entre as mulheres do cinema”, afirma a profissional. “Há uma evidente (e consciente) busca das mulheres por trabalhar com outras mulheres, além de grupos em redes sociais que incentivam e fortalecem as trocas femininas no fazer cinematográfico.”

Yara conta que se tornou assistente de direção em um período de retomada do cinema nacional, no qual a produção era significativamente menor, com políticas públicas ainda em desenvolvimento; portanto, um cenário difícil para uma jovem em início de carreira. Foi um trabalho que exigiu muita perseverança, foco e sabedoria, mas que também a levou a conquistas. Hoje, atuando como professora, sua intenção é de preparar os alunos para que não sejam “fantoches” nas mãos de produções mal intencionadas, mas agentes eficientes, produtivos e também críticos, “para que os avanços que vimos no mercado ao longo dos últimos anos não sofram retrocessos”, garantindo a manutenção dos direitos conquistados e a evolução criativa do mercado.

Pequenas revoluções

A produtora executiva Gal Buitoni, professora de produção da AIC, acredita que nos últimos anos o mercado audiovisual tem experimentado uma “mini revolução”. De acordo com ela, ainda há um longo caminho a percorrer, para que as mulheres possam ocupar de maneira igualitária posições ainda vistas como majoritariamente masculinas, em especial nas áreas técnicas e na direção de longas-metragens.

Gal é sócia da Olé Produções e tem uma carreira bem sucedida como produtora executiva no cinema, tendo passado por empresas como a O2, Mixer, Bossa Nova Filmes e Spray Filmes. Pessoalmente, ela conta que não enfrentou dificuldades pelo fato de ser mulher, mas já se deparou com situações no mercado de trabalho nas quais um profissional do sexo masculino foi privilegiado, às vezes até de maneira inconsciente. No entanto, a produtora vê o cenário de maneira otimista: “As mulheres se uniram e estão se ajudando. As pessoas estão se conscientizando, porque antes nem se pensava a respeito, ninguém sequer percebia esse desequilíbrio na hierarquia. Mas ainda há muito a ser conquistado.”

Para as cineastas mulheres, o set de filmagem deixa de ser um ambiente hostil quando os departamentos não são chefiados apenas por homens. Nesse sentido, a luta para criar um lugar de fala e permitir às mulheres mais poder de decisão não é apenas das profissionais do sexo feminino, mas de toda a indústria. “Acho que precisamos de uma mudança de olhar: começar a perceber como um filme dirigido por uma mulher, com personagens femininos, ajuda as próprias mulheres e os homens a perceberem um ponto de vista com o qual não estavam acostumados, mudando pensamentos e atitudes machistas. O machismo não tem gênero”, acrescenta Gal.

Explorando as complexidades

A presença de mais mulheres na produção cinematográfica leva à criação de filmes mais diversos e complexos no que diz respeito também ao desenvolvimento de personagens femininas. Para Sabrina Greve, atriz, diretora e pesquisadora, professora de direção de atores na AIC, no Brasil ainda é preciso explorar melhor a relação entre atores e diretores, compreendendo a maneira como cada um pode contribuir para enriquecer o processo criativo na feitura de uma obra.

Sobre a atuação feminina no mercado audiovisual, Sabrina comenta que o mercado ainda está em transformação. “Diversas iniciativas atuais buscam equilibrar a disparidade que existe entre projetos realizados por mulheres e homens, tanto em relação à atuação quanto direção, roteiro, direção de fotografia e outras funções (paridade de gênero nas comissões, editais específicos e com cotas para mulheres, etc). Fato é que, estatisticamente, o número de protagonistas femininas em filmes é bem menor do que protagonistas masculinos (vide o teste de Bechdel), e isso se deve em grande parte ao predomínio de roteiristas e realizadores homens no mercado. ”

Segundo a cineasta, as mulheres começaram a questionar diversos estereótipos perpetuados durante anos por uma visão estritamente masculina. “É toda uma engrenagem de produção que deve e está sendo revista para equiparar essa desigualdade e trazer um ponto de vista mais plural para o mercado audiovisual. Vale ressaltar que essa questão não é exclusiva do audiovisual, é uma questão sociocultural que abrange também outras formas de arte e outras profissões”, ressalta.

Para superar essa realidade, ainda desigual, mas que caminha rumo a transformações, a união das mulheres é fundamental, assim como o apoio de instituições e de empresas produtoras. “Espero que, em um futuro próximo, isso já não seja mais uma questão, que possamos olhar para o cinema sem desigualdades de produção relativas a gênero, raça e orientação sexual. Não só no cinema, mas na sociedade em geral”, conclui Sabrina.

*Pesquisa e texto por Katia Kreutz.

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