Crítica | Twin Peaks: O Retorno

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Twin Peaks nunca seguiu na mesma linha criativa que outas séries de TV. Seja em 1990, quando o seriado foi ao ar pela primeira vez, seja agora, no retorno. “Te vejo em 25 anos, agente Cooper”, é o que Laura Palmer disse ao final da segunda temporada, em 1991. E agora, quase 30 anos depois, Twin Peaks volta da mesma maneira – ao mesmo tempo em que volta completamente diferente do usual -, quebrando paradigmas, questionando, apelando para o surrealismo e com uma história extremamente complexa, se consolidando como mais uma obra-prima de David Lynch.

 Nos anos 90, Lynch estava no seu auge, com filmes sendo lançados continuamente no cinema, fazendo com que suas obras televisivas funcionassem mais como um hobby do diretor – algo que mudou depois de ele dizer que “a TV é o futuro do cinema”. Entretanto, atualmente o diretor “se aposentou” do cinema, focando-se em suas pinturas e agora em Twin Peaks. Se antes a série funcionava como um passatempo divertido para o diretor, agora se torna seu refúgio criativo, o lugar em que pode apresentar suas maiores loucuras e megalomanias, sem nenhuma pretensão de amarrar pontos ou contar uma história linear – e isso é maravilhoso.

Para os que esperavam uma volta nostálgica, assim como os diversos reboots e remakes dos dias de hoje, podem esquecer. David Lynch nunca seguiu a maré e dessa vez não foi diferente. O diretor não tenta em momento algum trazer a sensação nostálgica de voltar à cidade, de rever o Double R Diner, ou de até mesmo mostrar reencontros de personagens queridos, ou suas peculiaridades de 26 anos atrás. Os personagens aparecem jogados em meio a histórias sem começo, com traumas que o público desconhece, tramas que não estão construídas para o espectador. Além disso, os únicos momentos nostálgicos, como por exemplo, ver Dale Cooper tomando seu tão adorado café, reencontrando seus amigos antigos e revisitando a cidade de Twin Peaks demora exatos 17 episódios. Então não espere uma série que apele para o saudosismo.

No decorrer dos primeiros dez episódios, fica bastante claro como David Lynch não tem intenção alguma de construir uma história conexa. Os personagens clássicos da série são jogados na tela sem mais nem menos, com traumas que ninguém conhece e com vidas completamente diferentes daquelas que tinham na segunda temporada – 25 anos se passaram, não é uma surpresa. Mas o mais interessante é como essas pessoas funcionam como um artifício na história também. Nessa tentativa de Lynch de construir diversas tramas desconexas, com seus traumas próprios, problemas próprios, os personagens antigos mais parecem fantasmas rondando vez ou outra lugares da pacata cidade de Twin Peaks, como um lembrete do que a cidade já foi, mas uma corroboração de que ela já não é mais a mesma.

Enquanto que as amarras da história ficam de lado, logo se percebe que o verdadeiro foco de Lynch é explorar o limite da imaginação e transformar Twin Peaks em algo global. Desde o início, o diretor inventa peculiaridades visuais – simplistas, propositalmente, para que ressaltem ao olhar do espectador – e abusa de sua criatividade, criando situações inicialmente banais que logo se tornam algo muito maior e muito mais maluco. Além disso, a própria cidade de Twin Peaks acaba deixando de ser o verdadeiro protagonista nesta terceira temporada, com acontecimentos muito mais importantes rolando em Las Vegas e Washington D.C., tornando a série muito mais abrangente, e por conseguinte, deixando os clássicos Andy, Lucy, Ed, Norma, Shelly, Audrey, Bobby, James e Nadine restringidos a pequenas participações – que são extremamente aleatórias, diga-se de passagem.

 Ademais, David transforma a série em seu xodó artístico. Não só visualmente, conseguindo embutir o seu surrealismo inerente, mas também com sua paixão pela música e por personagens extravagantes. Todo fim de episódio – com raríssimas exceções – é marcado por um número musical que acontece no bar Roadhouse, exprimindo uma das genes do cineasta: seu gosto pelas mais diversas formas musicais. Artistas diversos se apresentam, tornando cada fim de episódio uma digressão sonora – e visual também, por conta da direção delicada de Lynch – para o espectador, funcionando quase como uma intertextualidade do cineasta.

 Entretanto, apesar de David conseguir exprimir algo totalmente novo na televisão e fazer isso de maneira louvável, o diretor acaba caindo em suas próprias divagações, tornando a série, em alguns momentos, bastante arrastada. A falta de um roteiro coeso e de personagens reconhecíveis em tela faz com que o espectador acabe se desinteressando em alguns momentos da trama, e as peculiaridades surrealistas do diretor não ajudam nesses momentos. A falta de um protagonista de peso – considerando que o icônico Dale Cooper só volta à série nos últimos três episódios – é outro dos fatores que pode acabar afastando o espectador do programa. Mesmo que tudo faça sentido considerando a ideia do diretor de que a terceira temporada funciona como um filme de 18 horas, não deixa de incomodar levemente em alguns momentos.

 O retorno de Twin Peaks é diferente de tudo que a televisão já viu – assim como a série foi, em 1990, quando lançada. Esquecendo as tramas totalmente conexas e universos coesos, David Lynch se apega ao seu usual surrealismo e utiliza a série de TV como seu quintal de inventividade, trazendo um show visual, e um roteiro elaborado, maluco e frustrante – tudo ao mesmo tempo. Não seguindo a maré atual, o diretor abandona o saudosismo esperado pelas pessoas e aposta em histórias inéditas, sem se amarrar ao que Twin Peaks já foi um dia. Com um olhar atento ao passado, Twin Peaks: O Retorno consegue se alforriar e pisar no futuro.

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